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Exame: só conhecimento não basta para investir melhor, diz psicóloga econômica

Vera Rita Ferreira explica como somos enganados pelos nossos próprios vieses ao tomar decisões irracionais com o dinheiro

São inegáveis os avanços do investidor brasileiro quando se trata de conhecimento. Mas ainda há muito a trilhar, diz Vera Rita de Mello Ferreira, uma das maiores especialistas do país e do mundo em psicologia econômica e finanças comportamentais.

Para Vera Rita, o investidor brasileiro ainda é pouco maduro. Ela explica com dois comportamentos: além de buscar ganhos de curto prazo, o investidor em geral não diversifica de fato a sua carteira de ativos.

No ano que vem, Vera Rita será a primeira brasileira e latinoamericana a presidiar a Associação Internacional para Pesquisa em Psicologia Econômica (Iarep, na sigla em inglês). Autora dos primeiros livros sobre psicologia econômica no país, ela tem doutorado em psicologia social e é membro do comitê de pesquisa de educação financeira da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a entidade que reúne as economias desenvolvidas.

Ao tratar da visão de longo prazo para investir, Vera Rita cita o comportamento típico das famílias americanas. “Os pais compram ações para os filhos desde o seu nascimento pensando em pagar a faculdade quando crescerem”, afirma.

A diversificação, ressalta, vai além de comprar ações de mais de uma empresa ou ter dois ou três fundos de renda fixa na carteira. “Consiste em, de fato, distribuir produtos segundo seu perfil de risco e seus objetivos financeiros.”

Vera Rita alerta também que não basta conhecimento para tomar decisões equilibradas de investimento: é importante observar o próprio comportamento em relação às aplicações financeiras, especialmente em um período cheio de incertezas, como o atual com a pandemia.

A pandemia criou uma poupança involuntária para quem conseguiu manter a renda. Dá para dizer que acabou incentivando bons hábitos financeiros?

O coronavírus foi uma espécie de educador financeiro, mas pela dor. Muita gente começou a economizar na pandemia, já que não podia mais fazer compras no shopping, viajar ou ir a restaurantes. Foi uma mudança de hábito que pode apenas ter sido transferida dos destinos habituais para o delivery e o consumo online. Afinal, as tentações na tela para quem fica em casa, no home office, são inúmeras.

Esses hábitos devem perdurar? Ou é grande a chance de muitas pessoas gastarem essa reserva após a pandemia? 

Sigo os grandes mestres, como Daniel Kahneman, Robert Shiller e Richard Thaler, e digo: não dá para prever. É impossível. O nosso comportamento é imprevisível. Parece que a perspectiva é que a pandemia acabe aos poucos, mas alguns países voltaram a aumentar exigências. Quanto mais tempo durar, mais imprevisível será o que irá acontecer depois.

A manutenção desses bons hábitos vai depender essencialmente de as pessoas conseguirem manter sua renda, pois sabemos que a desigualdade social está crescendo. Também diz respeito a como quem perdeu renda vai se reorganizar, se é que conseguirá. Todo mundo compara a covid-19 com a crise da gripe espanhola de 1920, que quando terminou provocou uma farra enlouquecida. Mas estamos em um momento muito diferente. No Brasil, não sei se as pessoas terão foco em desfrutar da vida.

O alerta é o de sempre: quem tinha reserva de emergência viu como foi interessante ter. Quem não tinha, viu como fez falta. Então, não dá para escapar: tem de fazer.

Mais uma vez observamos no país um repique dos juros: uma intensa queda seguida agora por uma rápida alta. O que fica como ensinamento?

O que O que manda no Brasil é a Selic. O brasileiro passeia pela renda variável quando a Selic está inóspita demais, rendendo muito pouco. Contudo é possível que, para algumas pessoas, fique claro que é interessante diversificar, inclusive proteger a carteira de investimentos. Dessa forma, no longo prazo, os ganhos ficam mais estáveis.

Mas para isso cada um vai ter de fazer uma sintonia fina, psicológica, de quanto aguenta investir aqui e ali.

O Nassim Taleb (estatístico e analista de riscos, autor do livro “O Cisne Negro”) veio ao país em 2018 e disse que o seu critério para avaliar se um portfólio está adequado ou não é uma boa noite de sono. Eu concordo. Colocar dinheiro em algo com o qual não nos sentimos confortáveis não vale a pena.

Enfim, não há algo que todos devam fazer. São inúmeras variáveis que influenciam cada investimento, e as psicológicas não são menos relevante do que as financeiras. O interessante é fazer um test drive. Colocar o dinheiro ali um tempo e fazer um diário de como nos sentimos. E, claro, buscar ajuda de profissionais especializados.

Houve um processo acelerado de propensão dos brasileiros para investimentos. Há aqueles que ainda mantêm todo o dinheiro na poupança, mas outros investem a carteira em bitcoin, por exemplo. Afinal, o que colabora para esse comportamento 8 ou 80?

Há um termo complicado para isso na psicanálise que define o funcionamento primitivo do cérebro. Nós tendemos a idealizar coisas, o 80, e a demonizar, que é o 8. Enquanto estamos apaixonados por um determinado produto financeiro, desejamos aplicar nele o resto da vida. Mas caso a gente sinta frustração, esse desejo se inverte.

Quantos milhões de vezes os investidores já viveram isso na renda variável? Não investe até que começa a bombar. Quando o preço está no teto, resolve entrar. Vai dar certo? Bem difícil. Mas mesmo assim o investidor entra. Aí a bolsa para de subir e começa a descer, porque, afinal, são ciclos. Ele então começa a ficar com raiva, mas segura o papel ou não resgata o investimento porque tem aversão à perda, não quer dar o braço a torcer.

Mas ele acaba não conseguindo segurar o papel até o próximo ciclo de alta, e acaba vendendo quando tudo já está virando pó. Por fim, fica mal e não quer investir de novo, um comportamento um pouco infantil.

Esse funcionamento primitivo do cérebro piora quando ficamos apavorados diante de um cenário de incertezas monumentais, como está sendo a covid-19. Por isso as pessoas tendem a ficar mais extremadas na sua visão de mundo neste momento, inclusive em relação a investimentos. Para mim a estratégia do megainvestidor Warren Buffet é a que faz mais sentido: comprar e segurar o papel (buy and hold, na sigla em inglês).

Muitos investidores podem estar abertos a deixar o rentismo no passado, mas não querem se empolgar nesse processo. Qual a dica?

Minha dica é diversificar, mas de verdade. Para isso, vale considerar as regras do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), de forma a se sentir mais seguro ao distribuir seus investimentos. Mesmo que uma instituição financeira quebre, o investidor sabe que terá seu dinheiro de volta.

Nesse caminho, o olhar de um profissional especializado é essencial. Ele terá vieses também, mas que podem colocar em xeque os vieses do investidor. E quem aplica, por outro lado, também pode colocar em xeque os vieses do consultor.

É um fato que a reserva de emergência nunca foi tão necessária como na pandemia. Mas, mesmo assim, há quem relute a usá-la. Faz sentido? 

Dá para entender. Ninguém quer mexer no próprio dinheiro. Mesmo que tenha dado para ele o nome de reserva de emergência, na hora de usar para valer existe sempre uma aversão à perda.

A pandemia pegou todos de surpresa. E não gostamos de surpresas. Gostamos de previsibilidade que combine com as nossas crenças, valores e expectativas. Só queremos boa notícia, só o que acende a luz verde. Algo que prometa satisfação no curto prazo.

Tudo o que desafiar o que esperamos acende a luz vermelha na cabeça. Odiamos, não queremos e tendemos a fazer de conta que não existe. Vemos isso direto na pandemia: quem se recusa a usar máscara, a se vacinar, não suporta entrar em contato com uma realidade que infelizmente está aí.

Por causa dos juros baixos para empréstimos e financiamentos, o brasileiro tem condições de antecipar a compra de um produto para pagar menos pela dívida. Por outro lado, pode se comprometer em um momento incerto. O que ele deve ter em mente?

O risco de não-continuidade da renda existe. A empresa na qual ele trabalha pode fechar, por exemplo. Mas a questão é ponderar o custo-beneficio: lembrar se já estava planejando comprar um imóvel e o que mudou agora na pandemia.

Para isso é importante consultar um profissional, alguém que faça todos os cálculos e ajude a ter uma visão mais clara. Mostre qual gordura que tem para cortar se precisar para atingir esse objetivo. Algo que, sozinho, o consumidor pode não conseguir fazer.

Afora isso, é necessário cuidar do impulso. Não basta a taxa de juros baixar para resolver fazer uma compra grande.É preciso tomar cuidado com o processo de ancoragem. Precisamos considerar as condições financeiras do momento. Por exemplo, perecisamos considerar se tivemos muitos gastos para cobrir rombos na pandemia, além de verificar se podemos dar uma boa entrada para abater parte dos juros cobrados pelo banco.

O quão perigoso é se deixar influenciar por amigos e parentes na hora de investir?

O comportamento de manada é muito perigoso porque ninguém tem uma vida financeira idêntica à sua. Mas infelizmente somos extremamente suscetíveis a ele. O processo de imitar é nosso primeiro comportamento de aprendizado e fica para sempre. Principalmente quando o cenário é de incerteza. Quanto mais pessoas aderirem, e uma autoridade endossar, sai todo mundo atrás.

Mas não há solução no impulso. Kahneman fala muito em delay: se dê a chance de respirar um pouco e perceber se você vai fazer besteira. E isso vale para golpes financeiros. Muita gente sem dinheiro, que registra rendimentos baixos na renda fixa, acha muito sedutor quando aparece alguém oferecendo retorno de 20% ao mês ou por semana E há muitas pessoas vendendo essas coisas.

É pior ainda se conhecer um familiar que tenha aderido: a chance de embarcar é maior. Mas as pessoas têm que entender que, em um primeiro momento, o vigarista pode até pagar, mas isso é apenas uma isca para atrair mais dinheiro e depois sumir com ele. Temos que ficar de olho nisso.

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Marília Almeida

Publicado anteriomente em: cutt.ly/GQZIoth

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