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Você conseguiria defender o direito de postar fake news?

A escritora britânica Evelyn Beatrice Hall, no início do século 20, escreveu uma biografia sobre o pensador francês François-Marie Arouet, considerado um dos pilares do Iluminismo. Não está ligando o nome à pessoa? Arouet entrou para a história através de seu pseudônimo famoso – Voltaire. Em 1906, Hall lançou o livro “Amigos de Voltaire” e cunhou a seguinte frase para ilustrar a linha de pensamento do filósofo: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”. Voltaire nunca disse exatamente esses termos, mas eles se tornaram um ícone da liberdade de expressão e até hoje são repetidos para contestar eventuais tentativas de censura ao discurso alheio.

A frase atribuída a Voltaire me veio à cabeça ontem após ler o texto publicado em MONEY REPORT sobre liberdade de expressão, intitulado “A liberdade requer coragem – inclusive para ver e ouvir o que não quer”. O artigo, elaborado pelo Instituto Mises Brasil, com o qual temos um acordo de troca de conteúdo, colocava o dedo numa ferida aberta. Está escrito: “o verdadeiro teste para se saber o comprometimento de uma pessoa para com a liberdade de expressão é ver se ela permite que outras pessoas digam coisas que ela considera profundamente ofensivas, seja sobre raça, gênero ou religião” (a íntegra do artigo pode ser conferida aqui: https://www.moneyreport.com.br/economia/a-liberdade-requer-coragem-inclusive-para-ver-e-ouvir-o-que-nao-quer/).

São palavras duras. E pode-se até pensar: como defender expressões ofensivas, racistas ou preconceituosas? Se essa frase passou pela sua mente, talvez você não tenha prestado atenção ao trecho original. Mas o texto diz outra coisa. Que não censurar essas barbaridades é sinal de que se respeita a liberdade de expressão (algo muito diferente de compactuar com sua essência dessas manifestações de crueldade).

Muitos dirão que, ao deixar que ofensas e falsidades rolem soltas por aí, podemos cair num cenário sugerido pela teoria do paradoxo da tolerância, defendida por Karl Popper (em termos simplistas, ela diz que ideias nazistas foram toleradas em nome da democracia; mas, uma vez que os seguidores de Adolf Hitler chegaram ao poder através do voto instauraram uma ditadura que exterminou as liberdades individuais).

Vários congressistas pensam dessa forma e trabalham para coibir opiniões ofensivas nas redes sociais. Tanto é que hoje (2) o Senado um projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, estabelecendo regras para as mídias digitais e serviços semelhantes ao WhatsApp. A ideia é permitir a intervenção direta das autoridades sobre conteúdos considerados falsos. Uma forma de combater as chamadas fake news.

A princípio, a ideia parece ser boa – pois as notícias falsas são uma praga e merecem ser combatidas, certo? De fato. Mas a pergunta que fica é: esse é o melhor jeito de se guerrear contra elas? A chamada Lei das Fake News, a princípio, tem amplo apoio popular. Segundo pesquisa do Ibope divulgada hoje pelo jornal O Globo, 90% dos entrevistados concordam que “é preciso obrigar as empresas responsáveis pelas plataformas digitais a protegerem a sociedade contra a desinformação”.

Por enquanto, pode-se dizer que o projeto tenha sido inspirado pela atuação do chamado gabinete do ódio, que dispara, com a ajuda de robôs, mensagens de conteúdo falso contra inimigos do governo (algo, reconheça-se, desprezível). Mas vamos imaginar o contrário: um grupo de pessoas espalhando fakes contra o Planalto e os impulsionando através de contas fantasmas de redes sociais. Isso seria certo ou errado?

Neste caso, não há como ter dois pesos e duas medidas. Se está errado para um lado, tem de estar errado para o outro.

Um ponto bastante polêmico do projeto diz respeito à possibilidade de intervir nas plataformas quando houver conteúdos que, em tese, promovam desinformação. E como localizar e classificar essas injúrias falsas? No texto original, serviços de verificadores independentes de conteúdo seriam utilizados para verificar se uma informação é enganosa ou não. Haveria, aqui, espaço para inúmeras contestações e brigas na Justiça. Por isso, essa passagem foi retirada do documento que irá a plenário. Por enquanto, muitas regras estão abertas. Como será feito esse combate? Dependendo da redação final, podemos, sim, ter algumas manifestações de censura. Mas ainda é cedo para cravar essa possibilidade.

Não seria mais fácil aparelhar os mecanismos jurídicos que versão sobre injúria e difamação? Hoje, a lei prevê, neste casos, penas de três meses a um ano, além de multa. Punições bastante brandas, que não servem para coibir os eventuais perpetradores.

Que ninguém se engane: os formuladores das notícias falsas não são os únicos responsáveis pelo mal causado. Aqueles que desejam acreditar em um conteúdo enviesado e o passam para a frente também têm sua culpa no cartório – embora muitos o façam de forma involuntária e crédula, sem incorrer em má intenção.

A mídia social é a bola da vez, mas botar a culpa no veículo da informação não é algo novo. Pelo contrário. É o princípio básico da censura. Há uma frase no livro Fahrenheit 451, também imortalizado em filme (foto) de François Truffaut, que diz o seguinte: “Negros não gostam de ‘Sambô, o Negrinho’. Queimem o livro. Brancos não se sentem bem a respeito de ‘A cabana do Pai Tomás’. Queimem. Alguém escreveu um livro sobre tabaco e câncer nos pulmões. Os fumantes estão reclamando? Queimem esse livro também”.

O projeto do Senado vai nessa linha? Queimar digitalmente aquilo que nos incomoda? Será que esse é a única saída para lutar contra algo tão pernicioso como as fake news?

Infelizmente, essas são perguntas que ficaram sem resposta por enquanto. Mas precisam de uma discussão ampla de toda a sociedade para respondê-las. Caso contrário, a decisão de meia dúzia (eleitos pelo voto, é verdade) interferirá na vida de 210 milhões de pessoas.

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