A decisão de Jair Bolsonaro de ligar para o presidente da Petrobras e censurá-lo sobre o plano de reajustar o preço do diesel, mantendo a paridade com os preços internacionais, teve impactos muito mais profundos do que “pegar mal”: em um dia, a maior empresa brasileira perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado. Não é difícil entender – e concordar – que a decisão foi muito ruim para o interesse dos acionistas.
E quem são esses acionistas? Consultei o site de Relacionamento com Investidores da Petrobras. O capital social da empresa é dividido em 13.044.496.930 ações: 7.442.454.142 ordinárias e 5.602.042.788 preferenciais. O maior acionista, e, em última instância, controlador, é (surpresa) o governo.
O controle se dá sob diversos “fronts”: a União Federal tem 28,7% das ações; o BNDESPar tem 7%; o BNDES, 6,9%; a Caixa Econômica Federal, 2,2%. O resto, 55,3%, está pulverizado em milhares de investidores privados: 16,2% são dos portadores de ADRS (American Depositary Receits, espécie de ações da Petrobras negociadas nas bolsas americanas); 20,6% nas mãos de estrangeiros (com custódia na B3); 17,2% pessoas físicas – brasileiros, em sua maioria; e 1,3% de pequenos investidores com cotas do FMP – FGTS Petrobras, um fundo criado que permite a assalariados usar parte dos recursos do FGTS na compra de ações da petroleira (o leitor mais atento deve ter notado que a soma deu 100,1%. Os dados são da Petrobras).
A decisão de Bolsonaro foi só mais um exemplo de como ter o governo como sócio pode ser desastroso. Inevitavelmente, surgem momentos em que os interesses de um são diferentes – e opostos – ao do outro. O governo brasileiro historicamente usa a Petrobras para fins políticos. Por exemplo, para beneficiar determinado setor ou para baixar o preço do combustível para controlar a inflação. Para muitos políticos, isso é um “instrumento de soberania popular” e uma obrigação de qualquer governo.
Pensar assim é legítimo. Mas não é honesto quando se convida o investidor privado para ser sócio. A esse, interessam os lucros. Vale lembrar que, ao contrário do que muita gente pensa, nem todos os investidores da bolsa são grandes capitalistas. É cada vez mais corriqueiro cidadãos comuns guardarem suas poupanças comprando participação acionária em empresas. Em março, a bolsa brasileira registrou a marca de um milhão de investidores ativos – alta de quase 50% na comparação com o mesmo período do ano passado. É um grupo heterogêneo formado milionários, por jovens que estão em vias de se tornarem um, e por muitos assalariados que investem R$ 1000 por mês e usam o mercado fracionário para comprar pequenas participações em empresas de capital aberto (esse mercado permite a compra de 1 a 99 ações, dando acesso à bolsa a quem não pode comprar o lote mínimo de 100 ações, que pode exigir um aporte mínimo de R$ 2 mil, no caso de uma ação ao preço de R$ 20.
Então, o governo faria bem se, caso queira insistir em usar a Petrobras na adoção de políticas de estado e agir contra os interesses dos acionistas, que estatize de vez a petroleira. Compre – por um preço justo – todas as ações nas mãos do investidor privado. E, só depois disso, baixe o preço do diesel para patamares venezuelanos. No curto prazo, a popularidade do governo vai disparar.
Claro, o resultado disso será desastroso tanto para o caixa da Petrobras – e para as contas do governo, em última instância. Mas será uma trapalhada com um pouco mais de legitimidade.
Se for para manter o capital da empresa aberto, então o governo deve respeitar os acionistas e deixar que a Petrobras seja gerida visando a maximização de lucros.