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Inocentes, as vacas podem salvar o mundo

Emissões de metano provenientes da pecuária podem ser sustentáveis, se práticas adquadas forem adotadas
Há fatores sutis na contribuição da pecuária para o aquecimento global. Um pouco de racionalidade e gestão podem reduzir os efeitos sem exigir grandes gastos

Fenômenos climáticos e questões ambientais me fascinam desde que encontrei alguns exemplares ancestrais da Seleções largados em caixas na casa da minha avó. Versavam sobre secas históricas, tsunamis, erupção minoica e o Colapso da Era de Bronze. Por isso, quando Al Gore protagonizou o documentário “Uma verdade inconveniente” (2006), estava mais que antenado. Ainda antes da Eco92, já havia aprendido que o aquecimento não é o real problema, mas sim os extremos climáticos. Pior seria uma era glacial, que mataria milhões de fome. Mas sempre houve detalhes na narrativa geral que incomodavam.

De uns dez anos para cá ganha corpo a crítica de que a pecuária é uma das grandes vilãs, pois cria condições artificiais para que bois, bezerros e vacas joguem na atmosfera quantidades hecatômbicas de metano, CO2 e gases afins. É verdade. Eles também consomem litros e litros de água diariamente. A média global da pegada hídrica para a produção de um quilo de picanha ou maminha é de 15,5 mil litros, porém essa é só a parte conveniente para quem opta pelo viés castastrofista. Há fatores bem mais sutis na questão da pecuária e suas contribuições às alterações climáticas.

Gerenciamento digestivo

O primeiro ponto fundamental é que a pecuária de fato é o maior contribuinte para as emissões agrícolas, que perfazem cerca de 45% de todo o metano antropogênico (gerado pela atividade humana). O final do processo digestivos de vacas – e ovelhas, cavalos – joga uns 32% de todo o gás de efeito estufa que ameaça o futuro do mundo. Um estudo da McKinsey, “Curbing methane emissions: How five industries can counter a major climate threat“, mostra que estas criações são responsáveis ​​globalmente por mais emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2) do que todos os países, exceto a China. Em lugares como o Brasil, a derrubada de florestas tropicais para a abertura de pastagens gera mais gases e ainda elimina a cobertura vegetal que absorve os mesmos, piorando tudo.

E qual a solução? Reduzir a oferta de carne? Seria uma estupidez. O problema não é a vaca, mas seu dono. E quem compra dele. Do abatedouro ao consumidor. A criação pecuária pode ser mais sustentável de modo relativamente simples. Basta colocar alguma racionalidade um pouco acima do lucro fácil decorrente do uso de terras baratas que logo serão imprestáveis para o gado, como ocorre no ciclo da expansão da fronteira agrícola brasileira, que ultrapassou o Cerrado e há duas décadas entrou na Amazônia e no Pantanal.

Outro documentário, “Cowspiracy: O segredo da sustentabilidade” (2014, no Netflix), mete o dedo na ferida, mostrando como até ambientalistas têm receio de lidar com o tema. Preferem dizer que a sede do gado é um problema, ignorando a criação confinada em larga escala, que produz toneladas diárias de rejeitos que acabam poluindo, quando deveriam adubar a terra. Uma fazenda com 2,5 mil vacas leiteiras confinadas produz a mesma quantidade de rejeitos orgânicos que uma cidade com 400 mil habitantes. São dados de Europa e Estados Unidos. No Brasil, a criação extensiva faz menos estrago.

Gnus, bisões, elefantes

Quando bem gerida e aplicada nos lugares adequados, a pecuária pode ter menos impacto. Afinal, ninguém jamais ousou afirmar que no passado as migrações de bisões na pradarias americanas afetavam a vida dos americanos nativos. Nem os milhões de gnus e hoje alguns milhares de elefantes migrando pelo planalto do Serengeti, entre a Tanzânia e o Quênia (aqueles clipes com leões e crocodilos devorando bichinhos são feitos lá), são acusados de nada. Bois e vacas precisam ser criados em áreas adequadas, de preferência em campos naturais. E esses lugares existem aos milhares de quilômetros quadrados na metade sul do Rio Grande do Sul, no Cerrado, em praticamente todo o Uruguai, na maior parte da Argentina, no Paraguai e trechinhos do Chile, da Venezuela e Colômbia, só para citar nossa vizinhança. Há pastagens naturais excelentes nos EUA, Canadá, partes do México, Rússia, Ucrânia, Mongólia, oeste da África e partes da Austrália que hoje viram áreas de lavoura extensiva. Por causa do alto preço da terra, em comparação com o Cerrado brasileiro, pastagens no RS deixaram de receber gado de corte de qualidade para abrigar plantações de eucalipto, que dão menos custo e manutenção.

Pouca gente fala abertamente dessa questão. O consumo de carne per capita o mundo deve cair em razão de novas ofertas vegetais, porém mais gente vai ter seu bife barato à mesa. E isso pode ser feito sem tornar o planeta um lugar mais pobre. No livro “Cows save the planet”, a pesquisadora e jornalista Judith D. Schwartz mostra cenários alternativos positivos para a degradação ambiental e como o gado pode ajudar a melhorar a qualidade do alimento humano. “Em cada caso, nossa capacidade de transformar essas crises em oportunidades depende de como tratamos o solo”, diz. O tema já tratado por MONEY REPORT.

Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estabeleceram há alguns anos o fator de aquecimento global (GWP, na sigla em inglês) para medir diferentes impactos. Os estudos (aqui explicados em inglês no episódio “Ruminant methane, global warming, & GWP*”, do podcast Farm Gate) sugerem que é possível tornar a produção de ruminantes compatível com as metas climáticas. De acordo com a levantamentos da McKinsey, a adoção de técnicas mais racionais de manejo podem reduzir em 12% as emissões agropecuárias até 2030, atingindo 30% até 2050. Tudo isso tornando a carne mais barata no longo prazo. É só querer.

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