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Anos 1970: quando brasileiros faziam sucesso cantando em inglês

Me lembro até hoje. Eu era um garoto de dez anos, assistindo o programa Flávio Cavalcanti, que passava naquela época aos domingos à noite. O apresentador anunciou uma atração internacional, a banda Light Reflections. No ano anterior, eles tinham emplacado um sucesso no rádio, uma balada chamada “Tell Me Once Again”. E estavam novamente no hit parade, com o rock “Welcome, welcome”. Fiquei animado e curti a apresentação das músicas. Terminado o pequeno show, Cavalcanti chamou um tradutor para conduzir uma entrevista ao vivo.

Depois da segunda resposta, o vocalista Brian Anderson deixa de falar o idioma de Mark Twain e passa a usar a língua de Camões: “Meu nome é André e sou brasileiro de Guaratinguetá. Nós cantamos em inglês porque a gravadora não nos deixa gravar nossas músicas em português”. O apresentador tomou um susto – assim como muita gente que acompanhava a transmissão, eu incluído.

Mais ou menos na mesma época, o brasileiro e neto de ingleses Thomas Standen, que gravava como Terry Winter (a canção “Summer Holiday” foi um dos maiores sucessos de 1972), deu uma entrevista a Silvio Santos na qual revelou sua cidadania e se queixou da obrigatoriedade imposta por seu selo para que lançasse apenas músicas em inglês.

Estes episódios acabaram desnudando um segredo de polichinelo da época: havia um número razoável de cantores brasileiros ganhando a vida com canções em inglês e protegidos pelo anonimato de seus pseudônimos. Nesta onda, Jessé virou Tony Stevens e Fábio Júnior recebeu a alcunha de Mark Davis. Outros assumiram seus nomes artísticos e os usam até hoje, como Chrystian (José Pereira da Silva Neto, que fez dupla com seu irmão Ralf) e Michael Sullivan (Ivanilton de Souza Lima, que se tornaria um compositor reconhecido nacionalmente ao trabalhar com Paulo Massadas e formar o duo Sullivan & Massadas).

Quando os fãs da música já sabiam da quantidade enorme de brasileiros cantando em outro idioma, surgiu aquele que seria o maior astro dessa turma: Morris Albert, nascido Maurício Alberto Kaisermann. “Feelings”, a canção que o projetou, ganhou êxito mundial e chegou à 45ª posição nas mais vendidas da Billboard em 1975. Albert (imagem) também obteve sucesso com “She’s my Girl” e “Conversation”. Mas, nos anos 1980, ele foi condenado por plágio. O brasileiro teria copiado “Pour Toi”, do francês Loulou Gasté.

Albert sempre refutou a acusação e disse que havia apenas coincidência. Mas o início da canção, de fato, é rigorosamente igual ao de “Feelings”. O restante não tem muito a ver. Mas, como a lei estabelece que bastam oito compassos iguais para que o plágio se estabeleça, Gasté se tornou co-autor de “Feelings”.

Morris Albert é o nome mais conhecido desse fenômeno. Mas há outros, além de Jessé (“Flying High”), Fábio Júnior (“Don’t Let Me Cry”), Chrystian (“Don’t Say Goodbye”) e Michael Sullivan (“Sorrow”). Alguns deles: Steve MacLean (Hélio Costa Manso), com “True Love”, Pete Dunaway (Otávio Augusto Fernandes Cardoso), com “Adam and Eve”, Paul Denver (Carlos Alberto de Souza), com “Rain and Memories”, e Richard Young (Ricardo Feghalli, da banda Roupa Nova), com “Rainy Day”.

Duas curiosidades sobre essa leva de cantores. A primeira é que “Tell Me Once Again” virou, nos anos 1980, “Telma, eu não sou gay”, uma versão em português da banda Miquinhos Amestrados, com Ney Matogrosso no vocal. E Terry Winter, que era proibido de cantar em português, adotou o nome de Chico Valente e se tornou um compositor de sucessos sertanejos nas vozes de Milionário & José Rico, Tonico & Tinoco e Matogrosso & Matias.

Hoje, curiosamente, há um único brasileiro fazendo sucesso em inglês: o cantor Zeeba (filho do médico Roberto Zeballos), que se uniu aos DJs Alok e Bruno Martini e estourou com “Hear Me Now” em 2016, seguindo em sua carreira de sucessos até agora.

Morris Albert (que poderia ser sósia do ator Wagner Moura) faz parte de uma época que a música americana era mais valorizada que a nacional junto ao público jovem. Hoje, porém, ocorre justamente o contrário. A juventude lota diariamente dezenas de shows de sertanejos pelo país. Se alguém dissesse às gravadoras, no meio dos anos 1970, que cinquenta anos depois os jovens iriam preferir ouvir música sertaneja, seria encaminhado ao hospício. Mas foi exatamente o que ocorreu. Isso mostra o quanto é difícil prever o futuro. O enjeitado de hoje pode ser o preferido de amanhã.

Morris Albert, interpretando “Feelings”
“Pour Toi”, a canção que teria sido plagiada por Morris Albert
Fábio Júnior (Mark Davis) interpreta “Don’t Let Me Cry”
Terry Winter, com “Summer Holiday”
Paul Denver, com “Rain and Memories”
Pete Dunaway, com “Adam and Eve”
Light Reflections, com “Welcome, welcome”
Light Reflections, com “Tell Me Once Again”
Steve MacLean, com “True Love”
Tony Stevens, com “Flying High”
Michael Sullivan, com “Sorrow”
Chrystian, com “Don’t Say Goodbye”

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Comentários

Respostas de 22

  1. Ao ler a materia fiquei aterrorizado. Que os selo das gravadoras somente deixar cantar em ingles e ter um nome em ingles. So posso dizer que todos serao lembrados do grande talentos e de suas musicas inesqueciveis.

  2. Tudo que foi feito foi muito válido…muitas músicas boas/românticas, então não podemos reclamar do que aconteceu em nosso tempo de 18 anos…e viiva a música …viva eles…o melhor, foi Terry Winter… prá mim..

  3. Fiquei chocada 😲 ao saber das gravadoras escondendo os nossos brasileiros não podendo cantar musicas em português , somos os melhores mas serviu de aprendizado,adorei embssber um pouco dos nossos artistas parabéns a todos em especial ao nosso saudoso Jessé

  4. Época de ouro, esses grandes talentos marcaram a galera da época com essas músicas lindas de excelente qualidade. Forçados a cantar em inglês e talvez nem dominassem a língua, mas cumpriram a missão com competência deixando essas lindezas para nós. Hoje só saudades e admiração. Quanto as gravadoras hoje em dia aceitam qualquer lixo e divulgam como música.

    1. Pelo menos a internet pôde nos trazer de volta tudo que era bom em relação a música, porque hoje em dia tá difícil !!!

      1. Exato! Música brasileira é quase que totalmente lixo, com exceção da música sertaneja (não incluo a tal sofrência que é pra lá de horrível). Pobre juventude atual, lixo nacional e internacional corroendo os neurônios deles.

  5. Hoje só tem porcaria, bem que poderia voltar a se intitular como gringos pra ver se melhorava alguma coisa, se bem que MPB anos 70/80 dá banho em tudo que tem por aí hj !!!

    1. Acho difícil, o QI dos brasileiros atualmente está tão baixo, sua leitura tão pobre, que eu duvido que consigam compor letra e melodia audíveis.

  6. Pra quem viveu e curtiu esse pessoal, não importa a imposição das gravadoras, foram excelentes e deixaram MUITA saudade. Hoje só lixo, com raras excessões.

  7. Foi uma boa época. As canções eram bonitas e a MPB era ótima também. Esse sertanejo de hoje não merce crédito para mim. Nunca gostei do gênero, mas antes os cantores eram autênticos E os outros gêneros da moda nem comento…melhor ouvir o Zeeba.

  8. Acho isso um absurdo! Essas gravadoras da época cometeram crime de falsidade ideológica defendendo o idioma inglês, e escondendo dos brasileiros ouvintes os verdadeiros autores das músicas, acho isso muita humilhação,os brasileiros não mereciam isso, por mais que tivessem feito sucesso na época .

    1. Conheço demais. Inclusive estou ouvindo agora na playlist do meu cel. Cheguei aqui inclusive procurando por informações do Ruser na Internet mas parece que dele ainda temos menos informações do que do saudoso Sharif Dean.

  9. Aluízio. Muito legal essa matéria, parabéns!! Duas observações importantes:
    . Não são apenas os shows de artistas sertanejos que “lotam até a tampa”. Os shows de funk e de trap, também. Mas, seja como for, sim, o consumo de “música nacional” é, hoje, muuuito maior que o de música americana ou inglesa, comigo acontecia nos abos 60/70.
    . A lei dos 8 compassos não é mais parâmetro. Hoje a mera semelhança não é mais mera coincidência e não se usa mais o critério de “número de compassos”. Inclusive porque existem músicas cuja “célula mater” se resume a 5/6 compassos. Então os critérios para julgamento de um plágio são, hoje, mais amplos e envolvem outros aspectos. A questão é bem complicada, porque existem gêneros, como o blues, por ex, que tem um grande número de músicas que obedecem a uma mesma sequência harmonica, por ex. E, não nos esqueçamos que o mundo ocidental trabalha com uma escala que contém apenas 12 notas. Ou seja: a possibilidade de “variações” é limitada, finita. É preciso, sempre, que o compositor trabalhe buscando usar toda a originalidade e criatividade possível. Eu mesmo, como compositor, morro de medo de cair numa armadilha de produzir um plágio involuntariamente. Afinal, TUDO o que ouvimo, está registrado em nosso HD cerebral e, quem diz que algo que criamos não é algo que ouvimos e ficou guardado? A mesma questão renasce (forte!!) agora com AI. A ver.

  10. Anos verdadeiramente dourados….quantas brincadeiras dançantes hein…
    Estranho que alguns desses cantores não costumam falar sobre esse início de carreira. Se não me engano, um deles é o Fábio Jr. Seria vergonha? Do que?

  11. Não seria o fato de cantores brasileiros cantarem em inglês nos anos 1970 uma forma de fugir da perseguição da Ditadura Militar e do AI5 que tanto foi o terror de muita gente porque se passarem a cantar em inglês, ninguém perderia tempo traduzindo essas músicas? Não foi muita coincidência eles pararem de cantar em inglês quando pintou a Anistia??? Ah… vocês esqueceram também de Harmony Cats, uma “Girl Band” brasileira, muito antes dos outros países terem suas girl bands, o Brasil já tinha a sua…

  12. Exato! Música brasileira é quase que totalmente lixo, com exceção da música sertaneja (não incluo a tal sofrência que é pra lá de horrível). Pobre juventude atual, lixo nacional e internacional corroendo os neurônios deles.

  13. Sou do tempo em quê a musica se divide em trez pate’ melodia armênia e ritmo,ritmo e a escolha de cada um por isso não chamo de lixo…

  14. belíssimas canções que embalaram nossos sonhos juvenis.adoro,cara,a gente sabia de tudo e nem ligava.era coisa daqueles tempos.o nosso zeitgeist.sou dessa época com muito orgulho.totslmente demais!!!

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