A onda verde que invadiu a indústria de fundos veio para ficar. Em 2020, os fundos ESG (em português, “Ambiental, Social e de Governança”) alcançaram a marca histórica de 1 trilhão de dólares em patrimônio no mundo. O Brasil não foge à regra, ainda que a escala seja menor.
Os fundos registrados como Ações Sustentabilidade/Governança pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) dobraram de tamanho, chegando a 1 bilhão de reais. Foram 17 novos fundos. É um grande avanço frente aos anos anteriores, já que entre 2015 e 2019 não houve a abertura de nenhum fundo ESG no país.
“As empresas listadas nesses fundos têm clientes fiéis, menor turnover de funcionários e profissionais mais inovadores. Além disso, elas reduzem muito os seus riscos”, diz Renata Faber, analista ESG da EXAME Invest Pro.
A gestora global Schroders, que tem 663 bilhões de dólares em ativos na carteira, lançou um fundo que é um mix de ações globais e de sustentabilidade. O produto era destinado a investidores institucionais, mas o interesse pelas plataformas de distribuição foi tão grande que ela disponibilizou o produto para pessoas físicas.
“Sempre trabalhamos com o ESG integrado. O G é a mãe do ESG. É a melhor forma de mitigar risco”, diz Daniel Celano (foto), presidente da Schroders no Brasil. Ele ressalta que a busca pelo tema já era forte nos mercados externos antes da pandemia de covid-19 e se intensificou ainda mais. No Brasil, o interesse também aumentou.
“Há dois anos, quando eu falava sobre esse tipo de produto, as pessoas achavam interessante. Mas agora elas têm interesse real em investir”, diz Celano.
Gestoras de abordagem tradicional buscam se adaptar. Especializada em crédito privado, a Quasar planeja que até 2023 todos os seus fundos se tornem ESG. Bruno Bacchin, gerente de ESG da Quasar, conta que a guinda sustentável começou no ano passado, a partir de um projeto de fundo de infraestrutura verde.
“Até pelo porte da Quasar, de não ser do tamanho de um banco, dá para engajar e envolver todo mundo nos processos. Aqueles que não tinham contato com o ESG começaram a ter e a se aprofundar”, comenta.
Segundo ele, o tempo previsto para a transformação só não é menor porque alguns dos fundos da casa possuem operações estruturadas, que levam mais tempo para serem reajustadas ou mesmo precisam se manter como estão até o prazo final do investimento.
“Em fundos de maior liquidez, a ideia é começar a mudança imediatamente”, afirma Carlos Lima, sócio e gestor dos fundos líquidos da Quasar.
Com mais de onze anos investindo com base em parâmetros ESG, Carlos Miranda, presidente da gestora de private equity X8, conta que a demanda por investimentos sustentáveis surgiu nos escritórios que fazem a gestão de fortunas de famílias ricas.
“Quando montamos o fundo, houve grande aceitação dos family offices, porque as novas gerações estavam cobrando por não fazer investimento de impacto”, diz.
Pensando nessa crescente demanda, principalmente dos mais jovens, Antônio Costa, presidente da gestora de patrimônio Azimut Wealth Managment Brasil, vem aumentando a oferta de produtos ESG em sua plataforma.
“Os herdeiros mais jovens têm sempre uma visão mais antenada com o que está acontecendo no mercado. Temos famílias [entre nossos clientes] que investem sempre com viés ESG”, afirma.
Para ajudar os investidores a identificar esses fundos e estimular o surgimento de novos no mercado, a plataforma Órama criou um selo ESG. A avaliação considera os critérios adotados pelos próprios gestores dos papéis.
“O selo nasceu da nossa vontade de expandir este movimento no mercado e engajar os gestores. O ESG não é um produto, mas um processo”, afirma Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama.
Mas nem todo mundo é novo neste assunto. Há mais de 20 anos, Fábio Alperowitch, co-fundador da gestora FAMA Investimento, montou um fundo que já seguia os preceitos ESG. “Queria investir em empresas que fossem aliadas aos meus valores.”
Ele conta que na década de 1990 era difícil ter acesso às empresas, já que o fundo era pequeno. A busca por informações era muito focada nos stakeholders. “Nós buscávamos os fornecedores e os funcionários. Pegava a lista telefônica e ligava.”
Hoje o fundo, que investe em 15 empresas, é referência no assunto, com 2,7 bilhões de reais sob gestão. Alperowitch afirma que o tema ESG é complexo e não pode ser tratado de maneira reducionista. “ESG não é apenas deixar de investir em empresas que não fizeram a redução de emissão de carbono, por exemplo.”
Outro desafio do processo de amadurecimento no mercado é mostrar que os princípios ESG se pagam no médio e longo prazos, ainda que haja percalços no caminho: os fundos de Ações Sustentabilidade/Governança da classificação da Anbima tiveram rentabilidade negativa de 0,28% em 2020.
Por Karla Mamona e Guilherme Guilherme
Publicado originalmente em https://exame.com/revista-exame/fundos-abracam-a-tematica-esg/