Tem gente pelas redes sociais fazendo uma convocação especial neste 7 de setembro. O feriado em que se comemora a independência do Brasil, um dos símbolos máximos da Pátria, será também utilizado para se protestar contra o uso de máscaras. Você leu corretamente. Há um grupo que pretende se reunir, às 15:00, em frente ao Museu de Arte de São Paulo, na avenida Paulista, o centro nervoso da metrópole paulistana, para queimar máscaras de proteção.
Não se sabe exatamente o que obtém com essa manifestação, além de criar um pouco de fumaça. Mas pode-se arriscar que faz parte das ações orquestradas pelos negacionistas, aqueles que acreditam, até hoje, que o coronavírus não é muito mais perigoso que o microrganismo que provoca uma gripe comum.
Há até médicos que ralham com o uso deste apetrecho, pois ele elevaria os níveis de gás carbônico dentro do corpo humano e, assim, poderia até ajudar a proliferação do vírus dentro dos corpos humanos. Uma multidão de especialistas, no entanto, se insurgiu contra esse conceito e continua a defender a proteção facial como instrumento de prevenção.
Os manifestantes contra o uso das máscaras devem pensar que a pandemia é um complô inventado pela imprensa. Provavelmente são os mesmos que promoveram carreatas em São Paulo bem no início da quarentena, provocando aglomerações desnecessárias e indesejáveis. Para cunhar o protesto, devem ter se inspirado no enredo de “Fahrenheit 451”, o livro de Ray Bradbury sobre um futuro no qual o governo queima livros cujo conteúdo é indesejável (o título faz menção à temperatura na qual o papel se desmancha pela ação do fogo, 451 graus Fahreinheit ou 233 graus Celsius). Talvez eles pensem em escrever um novo enredo com a manifestação do MASP, chamado Fahreinheit 752 – a temperatura na qual os tecidos queimam.
Vamos procurar lógica na ideia que dá fundação à querela: as máscaras fazem mal e nada protegem? Dificilmente. Estudos comprovam que o nível de contaminação cai drasticamente quando duas pessoas estão utilizando máscaras e uma delas está infectada. Alguém é prejudicado por inalar mais gás carbônico que o normal? Apesar de alguns médicos terem dito isso, não se têm exatamente um estudo de campo pronto para corroborar essa posição.
Obscurantistas se sentem superiores ao restante da sociedade porque acreditam enxergar coisas que os demais não veem. Só que seus corações e mentes acabam sensibilizados não pela realidade – mas por puras expressões das teorias da conspiração.
Vejo que nos perfis sociais de quem se rende a essas teses estapafúrdias há alguns elementos em comum.
De um lado, são pessoas mais velhas que tiveram algum cargo importante ou status social claramente alto no passado. Mas esta importância relativa ficou para trás. Trata-se de alguém que não se reciclou e perdeu o bonde. São indivíduos inteligentes, mas a amargura corrompeu suas almas e, agora, os conceitos retrógrados é que comandam suas ações.
De outro, podemos encontrar jovens que se encontram sem perspectivas, tanto na busca de uma carreira como na vida empreendedora. Desmotivados, esses indivíduos acabam procurando em certos momentos do passado um conforto para sua falta de esperança. Com isso, muitos engatam num obscurantismo sem limites. Alguns se perdem de vez – principalmente na Europa – e enveredam por caminhos ainda piores, como o do neonazismo.
Nestas manifestações ignaras, a rede social tem um papel importantíssimo. Anos atrás, pessoas com este tipo de perfil precisariam se encontrar fisicamente, trocar ideias e criar um movimento que motivasse reuniões e debates. Com o tempo, um espírito de corpo seria criado e os participantes começariam a se organizar para criar algum tipo de manifestações. A chance de isso ocorrer era bem menor. Por isso é que essas irmandades que prezam a escuridão e a negação da ciência e do senso comum ficaram no subterrâneo durante tanto tempo. Com o universo digital, porém, qualquer um pode encontrar facilmente sua cara-metade ideológica, conspiratória ou obscurantista. Basta dedicar algumas horas diárias online e procurar grupos que tenham a ver com seu jeito de enxergar o mundo.
Vamos supor que eu queira encontrar na rede pessoas que desejem fazer uma fogueira com os apetrechos de proteção facial. Uma pesquisa rápida pelo Facebook, por exemplo, nos leva a um perfil de alguém que postou o seguinte: “Quando os despertos vão queimar as máscaras em praça pública como as feministas fizeram com os soutiens???!”. Logo depois, a mesma pessoa, em seus comentários, diz o seguinte: “Preocupada. Alta possibilidade de ser implantado o Comunismo do Império chinês e sermos colônia. A dilapidação de nossos recursos minerais e loteamento de nossas terras é só a ponta do iceberg!”.
O post acima me faz lembrar uma frase de Assis Chateubriand, aliás fundador do MASP, onde querem queimar as máscaras faciais. “O pessimismo é, entre nós, uma psicose coletiva”, vaticinou Chatô. Pelo jeito, além do pessimismo, teremos também uma pitada obscurantista para engrossar essa propalada psicopatia nacional.