Em um passado não muito distante, o então ministro Joaquim Barbosa sofria de dores nas costas que tiravam sua paz de espírito. Por isso, era bastante comum vê-lo perder as estribeiras em sessões do Supremo Tribunal Federal, muitas vezes tratando colegas, advogados ou testemunhas com descortesia.
Essa cena se repetiu, na semana passada, com um comportamento ríspido do magistrado Alexandre de Moraes em meio a um depoimento do ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo. O ex-presidente da Câmara dos Deputados minimizava a atuação do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, que teria dito ao ex-presidente Jair Bolsonaro que suas tropas estariam à disposição do mandatário caso ele resolvesse melar o resultado das eleições e decretar estado de Sítio.
Rebelo, que era testemunha de defesa de Garnier, abraçava a tese de que a língua portuguesa permitia figuras de linguagem que não tinham significado literal. E isso teria ocorrido na reunião em que Garnier teria prestado apoio a Bolsonaro. Moraes, irritado, disse que o ex-ministro não estava no encontro e, por isso, não poderia interpretar a fala do militar. “Atenha-se aos fatos”, alertou.
O ex-ministro replicou: “A minha avaliação da língua portuguesa é minha”. Neste momento, Moraes derrapou na curva: “Se não se comportar, será preso por desacato”.
Dificilmente algum jurista conseguirá ver desacato na resposta de Rebelo a Moraes. O ex-deputado defendeu seu ponto e vista, com serenidade. Mas Moraes, pelo jeito, não está acostumado a ser contestado, nem de forma discreta, como foi o caso deste depoimento.
Simpatizantes da esquerda disseram que Moraes fez bem ao cortar Rebelo e evitar que o depoimento de transformasse em um palanque para tirar a credibilidade do processo sobre a tentativa de golpe.
Mesmo que isso fosse verdade, não era necessário a ameaça de prisão. O ex-ministro em nenhum momento foi desrespeitoso e usou o mesmo tom de voz que os jornalistas estão acostumados a ouvir em entrevistas e discursos.
Talvez seja o momento para que os ministros do Supremo possam refletir sobre a atuação da Corte neste momento tão polarizado. Já faz algum tempo que o STF se posiciona como uma espécie de bastião em defesa dos ideiais democráticos. Até aí, tudo bem. Mas eventuais críticas à atuação da Alta Corte são recebidas como ataques diretos à democracia brasileira. Isso, porém, não necessariamente é verdadeiro. Há golpistas ou fãs da ditadura entre os oponentes do Supremo – mas há uma multidão de democratas que não concordam com a atuação de determinados magistrados. Além do mais, brandir a prisão por desacato soa como tentativa de intimidação de testemunhas. Isso, em um ambiente democrático, não deveria ser permitido – ou estimulado pelos demais ministros.
Uma resposta
Mas, convenhamos, querer “minimizar” o claríssimo recado do Sr. Almir Garnier, é tapar o sol com a peneira. Houve uma evidente movimentação na tentativa de um golpe. Isso é indiscutível! É inaceitável! Independente de, sim, Moraes agir de forma autoritária algumas vezes. Como, aliás, o fez, também, Bolsonaro.