Nos últimos tempos, o Judiciário tem sido tema de várias discussões virtuais ou presenciais e se transformou em um importante componente de nosso ambiente polarizado. Decisões de juízes de todas as instâncias são comentadas pela sociedade e quase sempre o tom destes comentários é crítico. Nesta semana, a juíza Flávia Babu Capanema, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, teve seu nome incluído no debate – e sua atitude foi mais um tiro no pé da Justiça.
Recapitulando: há alguns dias, o empresário Felipe Brandão, filho do juiz Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, apareceu em vídeo gravado por um blogueiro holandês coberto de grifes da cabeça aos pés, incluindo um relógio de pulso avaliado em mais de 200 000 euros. Como Gonçalves foi o relator do processo que impede o ex-presidente Jair Bolsonaro de concorrer às eleições por dez anos, houve um grande movimento nas redes sociais. O vídeo foi repassado em volumes industriais e trazia uma insinuação: como Brandão tinha condições de exibir roupas e acessórios tão caros?
O assunto já estava morrendo quando a juíza Capanema resolveu proibir a exibição do vídeo em uma conta específica de rede social. Foi o suficiente para reavivar o tema e provocar outra avalanche de audiência na internet. A magistrada justificou sua decisão da seguinte forma: “O que se constata é o objetivo de ridicularizar o autor e, por meio disto, atingir terceiro, injustificadamente.”
Vamos traduzir: o “autor” é Felipe Brandão e o “terceiro” é seu pai, o ministro do STJ.
Ou seja, não importa que existam suspeitas em relação à fortuna utilizada para pagar o guarda-roupa ostentação de Brandão; não importa igualmente que ele deixou-se filmar de bom grado e mostrou-se até feliz por ser registrado com tantas peças grifadas no corpo; não importa ainda que boa parte da sociedade brasileira queira explicações sobre o dinheiro que abastece os luxos da família do ministro.
Não. Nada disso importa. O espírito de corpo, por outro lado, parece importar. E muito.
Mas se o objetivo foi tentar colocar uma cortina de fumaça sobre o tema, o tiro saiu pela culatra. O número de visitas ao vídeo aumentou bastante e já existe muita gente interessada em investigar como Brandão pagou por suas peças de grife.
A mensagem que se passa para a população brasileira é muito ruim – a de que existem certos temas que não podem ser discutidos pela sociedade. E, nessa hora, surge alguém do Judiciário que vai determinar o que nós podemos ou não ver na rede. Convenhamos: se alguém se sentiu ridicularizado com essa determinada postagem precisa dar uma resposta convincente, não proibir sua exibição.
O ministro não tem o que temer? Produza uma explicação incontestável e a divulgue. Ou, então, o juiz deveria orientar seu filho a mostrar que tem meios financeiros próprios para sustentar seus luxos. Esse silêncio, combinado com a decisão da juíza Capanema, é extremamente desgastante para a imagem do Judiciário.