O Congresso Nacional funciona em torno de consensos. Quando Dilma Rousseff estava balançando no cargo por conta da falta de governabilidade, a maioria dos deputados enxergou em Michel Temer uma solução rápida e indolor. Quando o mesmo Temer foi gravado pelo empresário Joesley Batista dizendo mais do que deveria, o plenário se dividiu. Se houvesse impeachment do presidente, quem deveria assumir o cargo em uma eventual eleição indireta? Vários nomes foram aventados, de Fernando Henrique Cardoso ao ex-ministro Nelson Jobim. Mas não houve consenso. Resultado: Temer foi até o final.
Quando Eduardo Cunha foi afastado da presidência da Câmara, outro consenso se formou em torno de Rodrigo Maia para um mandato tampão. Ele surfaria o mesmo fenômeno para ser reconduzido duas vezes ao cargo. Mas, desde 2020, já não tinha o controle de seus pares, desgastado por uma longa temporada no poder. Isso se somou à iniciativa do governo federal de ter um aliado sentado nesta cadeira. A grande oferta de cargos e verbas propiciou a criação de outro consenso, desta vez em torno de Arthur Lira, que obteve 302 votos e foi eleito presidente da Câmara em um único turno.
O bloco arregimentado pelo Executivo é quase equivalente a dois terços do plenário e pode trazer tranquilidade ao governo em termos de estabilidade. Mas esse apoio não é gratuito. Vai custar bastante em verbas e cargos, em um preço que aumentará paulatinamente até o ano que vem.
Por enquanto, vamos deixar de lado a discussão se a retomada do chamado presidencialismo de coalisão é algo moralmente aceitável (especialmente depois de ter sido condenado por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral) e quanto tempo ele pode durar.
Temos outro ponto importante aqui: o fisiologismo engoliu a ideologia. Formou-se uma maioria de acordo com a distribuição de cargos que suplanta a posição política de cada deputado.
Ao mesmo tempo que o bloco de apoio a Bolsonaro cresce, percebe-se que a oposição encolhe a olhos vistos. Rodrigo Maia, um dos próceres oposicionistas, deve encarar o ostracismo depois de deixar sua vitrine política dos últimos quatro anos e meio. Maia, que teve 74 000 votos na última eleição (o mais votado do Rio, a título de comparação, foi Helio Lopes – aquele que sempre aparece em fotos ao lado de Bolsonaro – com 345 000 sufrágios), terá de se reinventar para voltar à Câmara em 2023. Com muita exposição, teve uma votação apenas razoável no último pleito. Sem o cargo na mão, precisará encontrar bandeiras para sensibilizar o eleitorado.
Entretanto, por mais que obtenha motivos para se manter em evidência, não conseguirá a mesma exibição de antes. Isso vai reduzir o espaço da oposição e sua capacidade de pressionar o governo.
Com a saída de Maia, a figura mais ativa no front oposicionista passa a ser o governador João Doria. Mas como Doria pode ser o porta-voz da oposição se não consegue controlar suas emoções em uma simples participação em programa de rádio? Ontem mesmo, ele se engalfinhou em uma discussão com um dos debatedores de um programa na Jovem Pan.
Acusou o oponente de ser um representante da extrema direita e distorceu claramente um episódio do passado para fazer uma acusação injusta. Já temos alguém destemperado ocupando o terceiro andar do Palácio do Planalto – e, pelo jeito, há outro indivíduo colérico ocupando o Bandeirantes, que, como Jeckyll e Hyde, aparece apenas de vez em quando.
Com esse tipo de comportamento, Doria está replicando exatamente aquilo que muitos de seus seguidores detestam em Bolsonaro, a agressividade verbal. O melhor caminho para antagonizar o presidente não seria o oposto? Mostrar controle emocional e ponderação, hoje, pode ser uma arma mais combativa contra o presidente do que adotar um discurso insolente. Mas é preciso fazer isso com carisma e emoção. Caso contrário, teremos uma reedição do estilo Geraldo Alckmin, que fez sucesso apenas em São Paulo e não empolga muita gente fora das fronteiras paulistas. Se nutrir esperanças para fazer bonito em 2022, Doria precisa se reinventar – e rápido.