O Congresso Nacional, hoje, é uma casa com um pé em cada canoa. Em primeiro lugar, está no governo e na oposição ao mesmo tempo. Há partidos que apoiam o Planalto, controlam ministérios, mas não garantem a aprovação das medidas desenhadas pela equipe econômica. É o que os editorialistas do jornal “O Estado de S. Paulo” chamam de “governismo de oposição”. Essa dualidade, diga-se, não é necessariamente ruim para o país. Em casos como o recente pacote fiscal, a revolta dos parlamentares foi até boa, já que forçou o Executivo a sair de sua zona de conforto, querendo apenas arrecadar mais com a majoração de tributos.
Mas não é apenas nesta questão em que reside a dualidade dos congressistas. Deputados e senadores falam que o governo precisa ter responsabilidade fiscal e gastar menos – o que é a pura e indiscutível verdade. Mas, de outro lado, o Parlamento não está disposto a abrir mão das verbas que distribui através das chamadas emendas de relator. Ou das novas vagas de deputados que a Câmara Federal acaba de criar. Ou dos supersalários que existem em determinados cargos na burocracia da Câmara e do Senado.
É preciso ter coerência. Se o discurso dos parlamentares está calcado em moderação nos gastos públicos, esse mote não deve valer apenas para o Poder Executivo, mas também para o Legislativo e para o Judiciário. Portanto, não se pode falar em tolher o déficit público através de um torniquete que funciona apenas na máquina federal. Os congressistas precisam também dar o exemplo.
No centro dessa discussão está o presidente da Câmara, Hugo Motta. Nas últimas semanas, ele parece ter trocado de personalidade. Antes, poderia ser visto como um colaborador do governo. Nos últimos dias, porém, está usando um discurso oposicionista.
No passado recente, vimos dois tipos de presidentes da Câmara se revezando no poder: aqueles que dizem aos deputados o que eles precisam fazer e os que dão ao grupo aquilo que eles querem. O primeiro tipo é um líder; o segundo é um porta-voz. Motta se assemelha mais à segunda categoria, pois está simplesmente seguindo o clamor do Baixo Clero.
Aqui está um dos grandes problemas políticos do Brasil – o poder que emana da união dos deputados sem grande expressão. Um dos primeiros sinais dessa força pôde ser vista ainda no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando um deputado inexpressivo e visivelmente despreparado chegou à presidência da Câmara em 2005: Severino Cavalcanti foi eleito porque o Baixo Clero se revoltou contra a candidatura de Luiz Eduardo Greenhalg, patrocinada por Lula.
Cavalcanti renunciou ao cargo após sete meses, alquebrado por denúncias de corrupção. De lá para cá, nenhum presidente da Câmara foi eleito sem um entendimento prévio com o grupo que surgiu do congraçamento de forças destes parlamentares baixocleristas, o Centrão.
O Centrão não tem exatamente uma linha ideológica clara, embora esteja mais alinhado ao conservadorismo. Mas já se emparelhou a governos de esquerda, com o PT, de centro, como o de Michel Temer, e de direita, como o de Jair Bolsonaro. Os centristas têm um instinto de sobrevivência agudo e procuram sempre turbinar as próprias verbas, sem exatamente uma preocupação com os gastos públicos.
Portanto, esse súbito interesse pela responsabilidade fiscal tem outra razão do que uma eventual vocação para o liberalismo. Qualquer que seja esse motivo, no entanto, é preciso dar o exemplo – e oferecer algum corte na própria carne em vez de exigir medidas de economia apenas do Executivo. A regra deve valer para todos. Chega de viver sob o estigma de “farinha pouca, meu pirão primeiro”.