Servidor alertou a Polícia Federal sobre descontos irregulares em aposentadorias há cinco anos; esquema bilionário só veio à tona com operação da PF em 2025 e já envolve 41 entidades, milhões de vítimas e alta cúpula da Previdência
O escândalo que atinge o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e expôs um esquema de fraudes bilionárias em aposentadorias e pensões teve seus primeiros alertas ignorados há pelo menos cinco anos. Documentos e depoimentos indicam que um servidor do INSS procurou a Polícia Federal ainda em 2020, denunciando a atuação irregular da Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares) na aplicação de descontos não autorizados nos benefícios de milhares de segurados.
Apesar da gravidade das denúncias – que incluíam ameaças de morte, manipulação de dados e aumento atípico de filiados à entidade mesmo com o convênio suspenso – a investigação só ganhou tração em 2025, com a deflagração da Operação Sem Desconto, que levou ao afastamento do presidente do INSS, Gilberto Waller Jr., e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), a Conafer liderou o crescimento dos descontos indevidos, que saltaram de R$ 400 mil por ano em 2019 para R$ 202 milhões em 2023. Entre 2019 e 2024, o prejuízo total causado por fraudes similares já chega a R$ 6,5 bilhões, segundo estimativa da PF.
Como o esquema funcionava
A fraude consistia na cobrança automática de mensalidades associativas diretamente da folha de pagamento de aposentados e pensionistas, sem que houvesse qualquer vínculo formal ou autorização dos segurados. A irregularidade foi facilitada por falhas no controle do INSS e da Dataprev, estatal responsável pelo processamento dos dados.
Em 2020, quando o número de filiados à Conafer saltou de 80 mil para mais de 250 mil em poucos meses — mesmo com o acordo formalmente suspenso – um funcionário da Diretoria de Benefícios decidiu procurar a PF. Mesmo após seu depoimento, o convênio voltou a vigorar meses depois, graças à transferência da análise desses contratos para a Diretoria de Atendimento, numa manobra que levantou novas suspeitas.
O presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, chegou a ser ouvido em 2021 e atribuiu as falhas à Dataprev, negando envolvimento no esquema. Ele também se recusou a revelar seus rendimentos, alegando cláusula de confidencialidade.
O impacto para aposentados
Desde que a operação da PF foi tornada pública, milhões de brasileiros passaram a verificar seus benefícios. Nesta quarta-feira (14), o INSS confirmou que 473.940 pessoas pediram devolução de descontos que não reconheceram, representando 98,6% dos que responderam à notificação.
Estima-se que 9 milhões de beneficiários tenham sofrido algum tipo de desconto associativo entre 2020 e 2025, sendo que ao menos 4 milhões teriam sido lesados. As solicitações de reembolso estão sendo feitas via aplicativo Meu INSS ou pelo telefone 135. Segundo o presidente da Dataprev, houve 8 milhões de acessos ao sistema apenas no primeiro dia.
O governo agora pressiona 41 entidades a comprovarem, em até 15 dias úteis, a autorização dos descontos. Se não apresentarem os documentos exigidos, terão de reembolsar os valores ao Tesouro, que fará o repasse aos segurados prejudicados.
Consequências políticas e econômicas
A repercussão do escândalo já provocou mudanças no alto escalão da Previdência. O novo ministro, Wolney Queiroz, compareceu nesta quinta ao Senado para prestar esclarecimentos. O caso também acendeu um alerta sobre a sustentabilidade do INSS, que já enfrenta um rombo projetado de R$ 328 bilhões em 2025 e que pode quadruplicar nas próximas décadas, segundo projeções oficiais.
A credibilidade do sistema previdenciário está abalada, e especialistas alertam que o episódio pode acelerar discussões sobre uma nova reforma da Previdência.
Próximos passos
Enquanto a PF continua com a investigação e novas entidades são incluídas na lista de suspeitas, o INSS afirma que todos os segurados serão ressarcidos, mas ainda não há data definida para os pagamentos. As associações terão mais 15 dias úteis adicionais para devolver os valores cobrados indevidamente, caso não consigam comprovar o vínculo.
No momento, o foco do governo está em assegurar que nenhum cidadão precise sair de casa ou apresentar documentos físicos para pedir reembolso. Mas o volume de acessos e o número crescente de denúncias indicam que o escândalo pode estar longe de terminar.
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