Movimento ocorre sob alegação de direito histórico e investimento bélico. Canal do Panamá já é alvo de interesse claro. Real motivação seria a presença chinesa na costa da África
Diplomatas vinculados ao núcleo político do presidente Donald Trump comentam informalmente com interlocutores brasileiros sobre o uso militar do Aeroporto de Fernando de Noronha e da Base Aérea de Natal (RN). O argumento remete a um vago conceito de direito histórico de retorno operacional, com base em investimentos dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Um equívoco que ignora acordos internacionais cumpridos amarrados pelos governos de Franklin Roosevelt e de Getúlio Vargas.
O mesmo raciocínio foi utilizado em declarações sobre o Canal do Panamá. Setores trumpistas passaram a defender publicamente o retorno ao controle da passagem, devolvido aos panamenhos em 1999. A alegação é que foram os EUA que construíram, pagaram e defenderam a instalação.




Por aqui, conforme revelou com o portal DefesaNet, as bases são vistas como “ativos geoestratégicos” passíveis de “investimento bélico”. Uma base em Noronha permitiria a instalação de sensores que poderiam monitor o trânsito entre o norte e o sul do Atlântico em sua área mais estreita, entre América do Sul e África – o que não ocorreu sequer no auge da Guerra Fria. O interesse seria o acesso facilitado ao Golfo da Guiné, onde há crescente atividade naval chinesa e de embarcações de bandeira de conveniência a serviço da China, Rússia e Irã.
Noronha seria perfeita para abrigar de aeronaves de vigilância marítima e drones armados de média altitude e longo alcance, como os MQ-9 Reaper e SeaGuardian. Já a Base Aérea de Natal serviria como o hub logístico, como ocorreu na 2ª Guerra. A pista de Natal pode receber grandes aeronaves de carga.
Os argumento são falaciosos. Só haveria investimento bélico se o Brasil concordar. Sobre o direito histórico, é preciso relembrar que o uso do território brasileiro como corredor logístico para o Norte da África se deu mediante a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que serviu de ponto de partida para a indústria pesada brasileira.
Hoje, a presença militar americana no Brasil só ocorre em situações específicas, como em exercícios conjuntos. É o caso dos Cruzex, ensaio multinacional que a Força Aérea Brasileira (FAB) promove de tempos em tempos com outros países justamente em Natal, desde 2002. Os exercícios não são de combate direto e incluem treinamento em busca e salvamento, reabastecimento aéreo entre diferentes forças e coordenação conjunta.

Vizinho britânico
O Itamaraty cala sobre o assunto, pois não foi oficialmente acionado ou consultado. No Ministério da Defesa, idem. Porém, a sugestão americana a alguns militares brasileiros é vista como juridicamente inviável e inaceitável.

Há um detalhe que indica o quão bisonha é a intenção. Os militares dos EUA já operam no Aeródromo Wideawake, no território britânico das Ilhas Ascensão, cuja posta tem 3 mil metros. O local já é a base de operações da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) e da Força Aérea Real do Reino Unido (RAF) no Atlântico Sul. O que há de diferente de Noronha? A paisagem, as praias e a culinária.