Não gosto do saudosismo. Sou daqueles que se irritam com posts que exaltam a infância dos anos 1960, as sovas de chinelos dadas pelas mães nos filhos e até as músicas antigas (e olhe que, como todo cinquentão, sou aficionado do rock). Não que goste de renegar o passado. Pelo contrário. Adoro a estética de todas as décadas da segunda metade do século vinte, dos filmes às canções, dos livros à moda. Mas considero uma perda de tempo idolatrar o que já passou em detrimento da atualidade.
Ontem, no entanto, me vi olhando com certa simpatia pelos tempos de outrora. Depois de algumas horas me irritando enquanto navegava nas redes sociais, comecei a lamentar a falta que sinto de alguns intelectuais já falecidos.
Hoje, o nível da discussão ideológica é rasteiro e os embates são raramente inteligentes. O lado dos conservadores foi sequestrado por extremistas que se limitam a defender o atual governo, fazendo vistas grossas a eventuais barbeiragens sempre martelando na mesma tecla: seria muito pior lidar com os petistas de volta ao poder.
Os mais pragmáticos enxergariam uma vitória do PT em 2018 como devastadora para a economia do Brasil. Neste sentido, o triunfo de Jair Bolsonaro preservou o tripé econômico e começou o emagrecimento do estado – algo que reduz a carga tributária e pode impulsionar o empreendedorismo no país.
Mas a ascensão de Bolsonaro conjuminou com o surgimento de porta-vozes do conservadorismo que são difíceis de engolir. Curiosamente, estamos passando por uma fase em que a direita ganhou as eleições e muitos conservadores extremistas (em matéria de costumes) deixaram suas tocas para berrar suas convicções aos quatro cantos. Trocando em miúdos: poucas vezes na história o mundo foi tão conservador. Mesmo assim, não se encontram muitas vozes inteligentes a defender o espectro mais tradicional da economia e do comportamento.
Vamos retroceder alguns anos. Dos anos 1950 aos 1980, tivemos muitas vozes conservadoras fazendo um contraponto inteligente à ideologia de esquerda que ganhou terreno a partir do Pós-Guerra. Alguns exemplos: o escritor Nelson Rodrigues, o economista Roberto Campos e o jornalista Ruy Mesquita (foto). Outro egresso das redações, muito dirigido pelo sarcasmo e pelo gosto à polêmica, também pode ser adicionado a essa lista: o carioca Paulo Francis. No exterior, dois nomes se destacavam neste quesito. Até 1967, ano de sua morte, Winston Churchill. William F. Buckley, ideólogo do Partido Republicano americano, também faz parte dos intelectuais conservadores que traziam tempero aos debates políticos (faleceu em 2008).
O que diriam Rodrigues, Campos, Mesquita, Francis, Churchill e Buckley destes conservadores que ganharam fama com vídeos lacradores na internet?
Difícil dizer. Mas esses pensadores do passado tinham duas grandes características que são raras nos dias de hoje, além da grande cultura e inteligência: a capacidade de mudar de ideia e o uso de argumentos nada previsíveis, que desarmavam opositores.
Nossos neoconservadores, ao contrário, são previsíveis demais. Em alguns casos, sabe-se de antemão de que lado estarão num debate. Em outros, que argumento usarão. E, por fim, também há aqueles que, à falta de algo melhor para falar, simplesmente usam palavras chulas para ilustrar seus pontos de vista.
Respeito às opiniões alheias, mesmo que diferentes das suas, é algo importantíssimo para ampliar a compreensão sobre qualquer tema do conhecimento humano. Esta qualidade tão rara nos dias de hoje é algo que se via, com fartura, na personalidade de Ruy Mesquita (O.K., admitamos: com a idade, esta característica foi se diluindo em sua personalidade). Mas, a título de exemplo, tome-se o caso jovem repórter Ruy. Ele já carregava dentro de si as convicções liberais que tanto defenderia, depois, em inúmeros editoriais para os periódicos O Estado de S. Paulo e Jornal de Tarde. Mesmo assim, foi o único jornalista brasileiro a entrevistar Fidel Castro logo após a revolução cubana de 1959. Movido pelo interesse jornalístico e por uma curiosidade que o acompanhou até o final da vida.
E o que dizer de Roberto Campos? Como ele reagiria ao mar de imbecilidades que se lê nas redes sociais, que surgem em matizes esquerdistas ou direitistas? Uma pista está numa frase que disse ainda na década de 1980: “A burrice não tem fronteiras ideológicas”.
Nelson Rodrigues também nunca teve paciência para a estultice. Dois exemplos disso: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. Outra pérola: “A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza”. Rodrigues tinha também ojeriza às discussões partidárias passionais, como essas que enxergamos no WhatsApp e no Facebook. Confira: “Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”.
A combinação explosiva de cretinice com paixões ideológicas torna o mundo digital cada vez mais difícil e intragável. Como passar por tudo isso sem ser contaminado por um ambiente tão tóxico? Que tiver a resposta, favor me contar. É só entrar em contato: [email protected] .
Mas já aviso: não levarei em consideração aqueles que esbravejarem ou perderem a linha. Mais uma vez, cito Nelson Rodrigues; “Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade”.
Respostas de 2
Perfeito a análise.
Gostaria muito de ter a resposta.
Perfeita, não perfeito.