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A aposta arriscada e inútil de Bruno Covas

Apaixonar-se por uma ideia é algo perigoso. É tipo de atitude que já levou empresas à ruína e bilionários ao fracasso. O Projeto Jari, por exemplo, devastou a fortuna do empresário Daniel Ludwig. O automóvel futurista que vemos no filme “Back to the Future” acabou com a reputação e a riqueza de John DeLorean. A teimosia dos executivos da Kodak em se reinventar jogou a empresa irremediavelmente no abismo.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, parece padecer do mesmo mal. No caso do alcaide, ele aparenta ter se enamorado da ideia de ser o grande paladino na cruzada contra o coronavírus. E sua última arma nessa batalha contra a pandemia foi recebida com ceticismo: criar um rodízio na cidade na qual apenas metade dos veículos vai poder circular nas ruas. A justificativa é evitar a circulação de pessoas e, assim, evitar uma contaminação ainda maior na metrópole que é o epicentro brasileiro na crise sanitária.

Medidas duras são esperadas em momentos difíceis – e passamos claramente por um deles. O desrespeito às regras de isolamento social na cidade, justamente quando os índices de ocupação das UTIs chegam a números alarmantes, é um sinal de que algo precisa ser feito para evitar uma tragédia.

Ocorre que o rodízio imposto por Covas corre o risco de espalhar ainda mais o vírus.

Automóveis particulares têm pouca capacidade de disseminar o coronavírus. O condutor, se estiver sozinho, não entra em contato com ninguém. O indivíduo chega ao seu destino, faz o que tem de fazer e retorna. Com a proibição determinada pela Prefeitura, essa mesma pessoa terá de se deslocar através de transporte público, ampliando suas chances de se contaminar – ou, caso esteja infectado, espalhar a doença.

A iniciativa parece vir acompanhada de uma certa uma grande dose de birra e revanchismo. A classe média não respeita o isolamento? Então, vamos tornar sua vida mais difícil, proibindo a circulação de veículos dia sim, dia não.

Muitos dos que estão saindo de casa, no entanto, o fazem por necessidade. Há atividades que não param e não estão liberadas do rodízio pelo prefeito, como os profissionais de saúde (pelo menos isso). Vamos a alguns exemplos. A imprensa é um deles, mas vamos deixar para lá. Profissionais que trabalham na área de alimentação, por exemplo, e responsáveis pelo delivery nosso de cada dia. Aqueles que se valem de automóvel para seu deslocamento terão de apelar para o ônibus ou para o metrô. Funcionários de estabelecimentos comerciais que estão funcionando através de e-commerce? Idem. Responsáveis pela segurança cibernética de bancos e outras empresas que precisam de suporte o tempo todo, além da presença física junto aos servidores? A mesma situação. Essa lista é gigantesca e pega mesmo aqueles que desejam ficar em casa, mas são convocados (sem chance de retrucar) a trabalhar nos escritórios de quem quer (ou precisa) abrir suas portas.

Nenhum demérito em utilizar o transporte público. Pelo contrário. Mas, neste momento, trocar o automóvel, no qual o risco é próximo de zero, por um local onde haverá necessariamente o compartilhamento do espaço com outras pessoas é inócuo, além de restritivo.

Ainda nesta semana, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, deu uma entrevista na qual expressou sua perplexidade em relação aos resultados de uma pesquisa feita junto aos contaminados.

Daqueles que estão hospitalizados no estado nova-iorquino, 66 % estavam em casa. O governador, então, pediu que investigassem o tipo de transporte que essas pessoas utilizaram recentemente. Cerca de 2 % usaram Uber ou táxi; 9% o próprio carro; 4 % ônibus ou metrô e 2% se locomoveram a pé. A maioria esmagadora (84%) ficou em casa e de lá não saiu.

Diz Cuomo: “Achamos que iríamos encontrar entre os infectados uma percentagem maior de funcionários essenciais que ficaram doentes por estarem indo ao trabalho. Talvez enfermeiras, médicos ou profissionais de trânsito. Mas, não. Essas pessoas simplesmente estavam em casa”.

Ou seja, as possibilidades de contágio existem sem que haja circulação – ao contrário da crença do prefeito paulistano. A contaminação pode existir em elevadores, hall sociais ou pela superfície de produtos comprados no supermercado ou entregues através de portadores.

Até agora, as autoridades não fizeram investimentos vultosos na única medida que pode de fato melhorar a situação: educar a sociedade, mostrando que se trata de um vírus tão poderoso que não é transmitido apenas pela proximidade e contato físico. Há ainda muito o que descobrir sobre a pandemia, mas o depoimento do governador nova-iorquino não deixa dúvidas: a aposta de Bruno Covas é arriscada do ponto de vista político e, o que é pior, parece ser inofensiva em termos sanitários.

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Comentários

Uma resposta

  1. A cidade, o governo estadual educa e o federal vai na contra mão. A aposta de certa forma é arriscada. Mas quem sabe evita as pessoas de sair. O trabalhador é o menos culpado o empresário é 100% responsável por ter o funcionário trabalhando. Que se faça uma escala de trabalho. Estas medidas estão sendo tomadas para evitar o lockdown.
    Infelizmente o brasileiro so aprende na dor.
    Falando de NY o contagio decorre dos deliverys e na falta de cuidado com os produtos ao adentrarem nas residências.
    O vírus não se propaga no ar!

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