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O Google e o Velho Oeste da internet

Imagine como o Velho Oeste dos Estados Unidos foi conquistado. Havia uma vastidão de terras desocupadas e inúmeras oportunidades reservadas aos pioneiros que resolvessem se aventurar por locais ermos, sem leis para estabelecer o que era certo ou errado. Para realizar a ambição de quem desejava ocupar esse território longínquo, no entanto, havia um obstáculo: algumas tribos indígenas, que já estavam assentadas em suas propriedades e iriam reagir aos invasores. Depois de várias batalhas, a cavalaria finalmente venceu e confinou os nativos a espaços delimitados, as chamadas reservas. A falta de uma legislação consistente criou verdadeiras fortunas e alguns monopólios que foram, aos poucos, quebrados.

O que aconteceu na época dos caubóis e índios pode ser uma boa metáfora para os primeiros anos da internet do mundo. Vivi boa parte desse início, como parte da equipe da Editora Abril que montou um dos primeiros portais da web nacional. Havia um mercado tão vasto que poucos se arriscavam a mensurar. Nesta época, curiosamente, ninguém prestava tanta atenção aos meios digitais. As duas maiores empresas brasileiras de comunicação, até meados dos anos 1990, demoraram para perceber a importância da internet como difusora de conteúdo.

A própria Abril, por exemplo, resolveu terceirizar seu futuro digital para o grupo Folha e fundiu sua operação com o UOL (do qual, depois, se retiraria). Esta decisão me motivou a deixar a empresa e aceitar um convite da TV Globo, que estava dando os primeiros passos para montar seu próprio portal. Entretanto, vivíamos o frenesi das privatizações de telecomunicações do governo Fernando Henrique Cardoso. A emissora da família Marinho, assim, montou um consórcio com a AT&T – uma das maiores empresas de telecom do mundo – e resolveu entrar no jogo. Por isso, decidiu atrasar seu projeto de internet em dois anos (curiosamente, a Globo e a AT&T não venceram um só leilão regional de privatização dos serviços de telefonia). Peguei o meu boné e desisti da internet por um determinado tempo.

Nessa década de 1990, a rede continuou sendo terra de ninguém e isso ocorreu igualmente nos primeiros anos do novo século. Foi justamente neste momento em que o Google começou a crescer. Inventou um jeito muito mais funcional de efetuar buscas na internet e, a partir daí, foi entrando em todos os segmentos de mercado que tinham lideranças débeis ou incompetentes. Com grande capacidade, foi dominando esses espaços e consolidando uma espécie de onipresença na internet mundial. Quem tem o maior sistema de buscas, o browser líder de downloads, o maior sistema de e-mail, a plataforma líder de vídeos e o sistema de distribuição de banners publicitários? O Google. Não é à toa que a holding da empresa faturou em 2019 cerca de US$ 162 bilhões.

O domínio absoluto deste mercado foi questionado nessa semana. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está processando a empresa por monopólio ilegal sobre buscas e anúncios. Já se fala na obrigação de cobrar pelo download do Chrome, o software de navegação mais usado no planeta, ou em dividir a empresa em várias unidades.

Se essa divisão correr, não será a primeira vez que o governo, em nome das leis antitruste, entra em campo para fatiar empresas.

No final do século 19, a Standard Oil controlava 90% das refinarias americanas. Em 1911, porém, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou a companhia monopolista e ordenou seu fatiamento em 34 novas empresas menores. Deste processo, surgiram nomes conhecidos do consumidor de hoje, como Exxon (Esso), Chevron, Atlantic e Mobil.

Outro exemplo remonta ao ano de 1984. Citada no início deste artigo, a AT&T, que controlava ligações locais, nacionais e internacionais nos EUA, foi dividida em sete partes. Criou-se, então, as chamadas Baby Bells, que operam até hoje a telefonia local em determinadas regiões do país. O nome AT&T ficou restrito à telefonia de longa distância.

Duas perguntas surgem deste processo.

A primeira: os monopólios de Standard Oil, AT&T ou Google são dignos de crítica ou de aplauso?

Nestes três casos, houve uma oportunidade aliada a um vácuo de mercado. E alguém que entendeu mais rapidamente que a concorrência que existiam oportunidades de sinergia e de consolidação. Sejamos sinceros: não existe nenhum empresário que deixaria passar uma oportunidade com base no receio de que poderia criar um monopólio. Para resolver esse tipo de problema é que existem entidades como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica): a entidade, em vários casos, mandou empresas venderem subsidiárias, cancelou negócios ou suspendeu o uso de marcas campeãs de venda.

Segunda pergunta: o Google terá de repartir suas operações? A julgar pelo que ocorreu no passado, é bem provável. Sem suas sinergias, a empresa pode perder competitividade. Mas, hoje, como dizem os americanos, há muita comida no prato – e, assim, não há tempo nem recursos para se analisar novas oportunidades. Com a divisão da empresa, contudo, pode haver uma nova onda de inovação e busca de mercados inéditos.

É assim que funciona o espírito empreendedor. O governo fecha uma porta e o empresário abre pelo menos outras cinco.

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