Carlos Ghosn é inocente ou culpado?
Por um lado, ele aguentou 130 dias de solitária, em condições difíceis, sendo interrogado constantemente, e não confessou uma eventual culpa – coisa que muita gente não aguentaria. Após sua fuga do Japão, convocou uma entrevista coletiva, na qual abriu vários documentos para provar sua inocência. Sua linguagem corporal era aberta, incompatível com quem estivesse mentindo.
Por outro, ele pode ser um psicopata frio e calculista, que acredita piamente em suas mentiras e, assim, aguentou as pressões exercidas no Japão. Também por esta razão, se saiu bem na entrevista coletiva realizada no Líbano, país que o acolheu.
Qualquer que seja a verdade, Ghosn saiu vitorioso do embate contra os procuradores japoneses e seus acusadores dentro da Nissan.
Em primeiro lugar, o ex-CEO da Renault adotou uma estratégia digna de Allan Dershowitz, o advogado de O.J. Simpson e de Bill Clinton. Dershowitz deixou, nestes dois casos, a acusação de lado e fixou-se em pontos que gerariam discórdia e debate. Em vez de defender a inocência de Simpson, por exemplo, atacou a credibilidade dos exames de DNA sanguíneo, que poderiam colocar o ex-astro do futebol americano na cena do assassinato do qual era acusado. Em relação ao ex-presidente dos Estados Unidos, a base da acusação de impeachment era a que o mandatário da Nação não poderia mentir. E, ao dizer que não teve relações sexuais com a então estagiária Monica Lewinski, havia faltado com a verdade. Dershowitz demoliu a promotoria com uma frase: “Defina relações sexuais”. Diante da definição entregue pelo promotor Kenneth Starr, destruiu o caso por razões que todos conhecem.
Ghosn abordou alguns pontos que em tese mostram sua inocência. Mas fixou-se na hipótese de que tudo foi uma armação feita pelas autoridades japonesas e diretores da Nissan. Até aí, tudo bem. Atribuir a culpa a uma conspiração é algo comum nos casos de crime do colarinho branco. Mas a cereja do bolo foi o ataque ao sistema jurídico japonês, de presunção da culpa dos acusados.
O fato de que a Justiça nipônica dispor de um arcabouço legal que poderia deixar o caso aberto por anos, período no qual o executivo ficaria em prisão domiciliar, descortina uma discussão paralela sem fim. Os exageros da promotoria, inclusive, são flagrantes: ele poderia ver qualquer pessoa, menos sua esposa. Quando conseguiu falar com ela, teve de fazê-lo sob a vigilância de um advogado, que teria de reportar o teor da conversa às autoridades.
Ao se fixar nesses exageros, Ghosn ganhou a simpatia de muitos, que se sensibilizaram com os demais argumentos. Uma tacada estratégica bem articulada e executada com precisão.
Diante de tudo isso, pouco importa se ele é inocente ou não. Sua tática colocou a opinião pública a seu lado. O único problema é que, de agora em diante, ele ficará restrito ao Líbano. Talvez possa ir à França, mas isso ainda não está certo. Os demais países – Brasil incluído – teoricamente terão de obedecer ao pedido de prisão expedido pela Interpol. Mas, para quem estava restrito às regras da detenção domiciliar em Tóquio, Ghson saiu no lucro. Não seria surpresa, inclusive, se ele assumir alguma grande indústria libanesa ou mesmo um cargo no governo local. Credenciais empresariais para isso não lhe faltam.
Executivo linha dura, ele disse na coletiva: “Os consensos nunca funcionam. Você tem de pressionar as pessoas para encontrar as sinergias”. Uma grande verdade. Algo que traz resultados enormes. Mas que pode gerar, igualmente, um enorme grupo trabalhando contra o líder pelas suas costas. Foi exatamente isso que aconteceu com Ghosn. Mas, pelo jeito, ele continua o mesmo. Vai continuar pressionando – mesmo que isso lhe custe a liberdade.