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O desabafo de um jornalista: não aguento mais o coronavírus

A atual crise que se abateu na sociedade atinge a todos. Além do medo de ficar doente, cada um de nós tem uma preocupação diferente. O assalariado não quer ser demitido. Os empresários perdem o sono por conta da recessão que se avizinha. Os médicos sofrem porque não conseguem salvar todos os pacientes que passam por suas mãos. Quem precisa trabalhar teme pela própria saúde. E os confinados se preocupam com os parentes que estão nos chamados grupos de risco.

Como jornalista, tenho outro tipo de inquietação – preciso ler tudo sobre o coronavírus. Em tempo de fake news, o cuidado é redobrado, pois não podemos passar para frente alguma notícia falsa, exagerada ou tendenciosa. Além de pesquisar, é necessário entrevistar: perguntar, perguntar e, depois, perguntar mais um pouco.

Temos que vigiar nossas próprias convicções e esperanças na hora de escrever. É impossível ser imparcial, já aprendi nesses muitos anos de estrada. Mas é possível e desejável ser ponderado e pelo menos tentar ouvir o que as pessoas têm a dizer. No caso da pandemia, porém, todos querem falar sobre alguma coisa – e, devido a um estado que oscila entre o nervosismo e ansiedade, querem conversar muito. Mas muito mesmo. Eu incluído.

Ontem mesmo, fizemos uma videoconferência como cientista político Murillo de Aragão, meu companheiro de entrevistas e debates. Dividimos palcos há cerca de 3 anos e já falamos para inúmeras plateias. A nossa fórmula, na série Money Report – Agenda de Líderes, é simples. Uma exposição breve do palestrante, seguida de algumas perguntas formuladas por mim e outras questões de nossos filiados. Como não podemos nos encontrar pessoalmente, fizemos tudo pela via digital.

Tínhamos preparado tudo para durar uma hora, uma quantidade de tempo que julgamos razoável para nossa plateia, composta basicamente por CEOs e donos de empresas. Só quando começou o evento virtual é que percebi o estado de nervos de todos. Murillo, ao contrário do que ocorre normalmente, gastou quase o dobro do tempo habitual para a sua introdução sobre o cenário político. Longe de ser enfadonho, pois seus insights são brilhantes e imperdíveis, o depoimento foi seguido pelas perguntas dos debatedores. Notei, então, que todos levaram no mínimo o dobro do tempo que normalmente levariam para formular suas questões. Não interrompi ninguém, pois considerei que todos precisam de um desabafo. Botar para fora as angústias de um futuro que não conseguem enxergar. Falar como se estivessem em uma terapia de grupo.

Foi nessa hora que entendi o que se passava comigo. Estou num momento de exaustão mental. Vivo uma obsessão intelectual à qual não escolhi. Preciso entender sobre diversos assuntos sobre os quais nunca pesquisei antes: o funcionamento da hidroxicloroquina (e sua grafia, a qual me confunde todas as vezes que escrevo essa palavra), o ciclo de internamento de um paciente com coronavírus numa UTI, os efeitos da epidemia fora do chamado grupo de risco, os prós e contras dos dois tipos de quarentena disponíveis no mercado, como o corona se une às células de nosso corpo e as condições necessárias para que nossa imunidade lute contra o vírus. Como se não bastasse, também temos de ficar ligados nos conflitos entre os governadores de estado e o presidente da República, nos bastidores das relações entre os ministros da saúde e da economia com a presidência e no que dizem os filhos de Jair Bolsonaro nas redes sociais. Não é fácil.

Tudo isso foi suficiente para criar, dentro de mim, uma overdose total sobre coronavírus. Estou absolutamente farto de ler, escrever e falar sobre o assunto – e estamos ainda muito longe do final dessa história. Há vários meses pela frente trabalhando essa narrativa, especulando sobre os efeitos da epidemia e escrevendo sobre as soluções para desatar o nó da parada súbita na atividade econômica.

Fico imaginando: até quando?

Quando fui maratonista, num passado que hoje parece longínquo, treinava melhor quando estabelecia a duração ou a distância de meus treinos. Se fosse para correr 10 quilômetros ou 20, ok. Mas se me lançasse numa jornada do tipo “sem lenço, sem documento”, eu cansava fácil. É como se minha cabeça tivesse de dosar o esforço para encontrar um ritmo ideal. Foi correndo que descobri agir assim em várias coisas relativas à vida. Ao estabelecer metas, minha resiliência crescia – mesmo que tivesse de ir além das marcas pré-estabelecidas.

Hoje, no entanto, vejo que não é possível planejar. Não há um marco, não existe um objetivo ou uma data a ser alcançada ou superada. Existe simplesmente o desconhecido. Um futuro aberto, que parece ser ruim. E ainda não sabemos se teremos pela frente um sonho agitado ou algo na linha “A Hora do Pesadelo”, com direito a um Freddy Krueger econômico pela frente.

Diante disso tudo, meu “guilty pleasure” é encontrar uma qualquer distração que requeira atividade cerebral mínima: uma série de TV como “Alienígenas do Passado”. Aliás, já me decidi. Quando tudo isso acabar – ou virar old news – vou me acabar vendo Giorgio Tsoukalos (foto) e Erich Von Daniken tentando me convencer que um bando de aliens construiu as pirâmides, desenhou as figuras perto do lago Titicaca e  recortou monolitos de várias toneladas nas cidades andinas da América Latina. E o que é pior: estarei tão exaurido que vou acreditar em cada palavra que eles vão dizer.

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Comentários

2 respostas

  1. Caro Aluízio, foi um prazer ler este texto. A sensação que tenho é que aquela máxima de que “ não decido o que não entendo” neste momento não vale nada! A única coisa certa é que aquilo que tínhamos certeza ontem, hoje talvez não valha mais nada!
    Abraços

  2. Aluizio, sem desmerecer a primeira parte de seu texto – que é ótimo e de cuja essência compartilho e acrescento que estamos com a síndrome do pânico da substituição de rotinas sem saber qual será a próxima que teremos pela frente – gostei muito do final, tanto que já estou atrás do Alienígenas do Passado com meu “guilty pleasure”ligado.

    Um grande abraço

    Hélio Campos Mello

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