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Exame: “Somos sócios do crescimento, não do juro alto”, diz Alfredo Setubal

Presidente da Itaúsa defende boas políticas públicas para o país voltar a crescer e afirma que é preciso ser relevante além do banco

Alfredo Setubal está preocupado com o Brasil. Quase pessimista. O quase é porque os movimentos da Itaúsa, holding de investimentos que preside, vão na direção contrária: de quem acredita que é possível melhorar. Apesar de ter assistido o gap da desigualdade crescer, o grupo escolheu a dedo os setores para investir e os eleitos foram justamente aqueles com potencial de trazer avanços reais ao país. “Nosso olhar de país, é voltado para o longo prazo”, enfatiza ele.

Holding conhecida por ser uma das controladoras do banco Itaú Unibanco, a Itaúsa mudou seu papel na economia brasileira investindo cerca de R$ 10 bilhões em um processo de diversificação de ativos, desde que o Banco Central afirmou que o Itaú não tinha mais espaço para crescer via consolidação de bancos menores. Ou seja, nos últimos seis anos. Na carteira de ativos, com exceção de Dexco — a antiga Duratex, que está há 70 anos dentro do portfólio — e da Alpargatas, a holding colocou muita infraestrutura: saneamento, energia e mobilidade, com NTSCopa EnergiaAegea e recentemente comprou 10,3% na CCR, um passo de R$ 2,9 bilhões em parceria com o grupo Votorantim. São setores em que o Brasil tem grande defasagem e, por isso mesmo, muitas oportunidades de expansão.

A empresa tem ainda uma participação na XP Investimentos, que Setubal vê como um colchão de liquidez para a estratégia do negócio, por meio da venda dos papéis, já que se trata de uma posição “não estratégica”. O objetivo de tudo isso, contou o presidente Alfredo Setubal, é que a Itaúsa tenha um papel cada vez mais relevante na economia brasileira, para além do setor financeiro.

Desde o fim de 2019, a carteira de crédito do banco no Brasil deu um salto de 60%, de R$ 540 bilhões para R$ 876 bilhões. E dentro desse volume, a exposição a pequenas e médias empresas avançou ainda mais. A alta nesse segmento foi de 80%, terminando junho em R$ 162 bilhões. As linhas para pessoas físicas também cresceram substancialmente, nas mais diversas modalidades, do crédito pessoal, passando pelo consignado até o imobiliário.

A preocupação que Setubal tem é com o fato de o Brasil estar estagnado e não apresentar uma expansão real em muitas décadas. Na opinião de quem é dono da maior instituição financeira do país e fez investimentos bilionários em infraestrutura, é preciso acabar com a “lenda” de que os bancos gostam de juros altos. Crescimento é o que eles querem, explica. Essa lógica, segundo ele, só era verdadeira no tempo em que a carteira de investimento em títulos de dívida do governo era maior do que a carteira de crédito. Agora, o raciocínio se inverteu e as instituições financeiras são “sócias do crescimento”.

Confira a seguir a entrevista que Alfredo Setubal concedeu à Exame In.

A Itaúsa mudou muito nos últimos anos seu portfólio de ativos. Como foi essa decisão?
Temos que historiar um pouco para contextualizar. A Itaúsa, até os anos 80, tentou uma diversificação na área industrial, com Itautec, Elekeiroz e Duratex, que hoje é a Dexco. Mas na verdade o que aconteceu no Brasil é que o setor industrial foi massacrado pela taxa de juros. O grande beneficiário disso, claro, foi o setor financeiro. E o Itaú foi o grande consolidador da indústria financeira. E o Bradesco também. Foram os que ficaram até o fim da curva, que começou em meados 90 e foi até 2010. A indústria no Brasil ficou muito pequena por conta disso.

De fato, é só olhar a participação da indústria no PIB.
Sim, é 10% do PIB. Nos outros países é 15% a 20%. Tem algo muito errado nisso. Mas, voltando, o Itaú fez todo esse movimento de consolidação. E, em 2016, quando a gente comprou as operações do Citibank, o Banco Central disse ‘chega’ e que não aprovaria mais nenhuma transação ligada ao setor financeiro. Então, isso nos levou a pensar. O Brasil estava mudando. E decidimos que, se o banco não poderia crescer mais, teríamos de usar os recursos em outras frentes. Foi a partir dessa premissa que começamos a olhar outras oportunidades para usar os dividendos que recebíamos. Em 2016, vim para cá exatamente para fazer isso. Iniciar essa análise.

Foi, assim, então, que começou a diversificação?
Sim, mas eu não chamo muito de diversificação porque o banco é tão grande, que nunca vamos conseguir diversificar [nessa proporção]. A Itaúsa tem uma fatia de 38% no Itaú, que é enorme. Então será sempre a maior participação, a mais relevante. O que estamos fazendo aqui é um portfólio de empresas não financeiras, que tenham boas marcas, que possam crescer e tenham geração de caixa. E que sejam líderes ou muito relevantes em seus setores de atuação, de maneira que esse portfólio seja relevante como um todo. Não necessariamente individualmente olhando as peças. De forma que a Itaúsa, como um todo, seja relevante para a economia, para além do setor financeiro. É assim que enxergamos nossa estratégia.

Mas, de qualquer forma, é uma mudança relevante de portfólio. E qual o prazo para isso?
Sempre longo prazo. Não somos private equity para ficar cinco a sete anos. Não é nosso mandato. Entendemos que nossos investidores também esperam isso. Não estamos aqui investindo em startups, tomando riscos desnecessários. Fazemos uma alocação de capital mais prudente possível, para que a gente possa no tempo criar valor. E isso tem acontecido. Se olharmos, o fluxo de dividendos das companhias não financeiras vem crescendo.

Mas, apesar de não escolherem empresas de alto crescimento, os negócios têm mostrado uma expansão relevante, como Alpargatas, por exemplo. Como é feita essa escolha?
O banco é a maior plataforma de serviços financeiros. E queremos fazer um pouco do que fizemos com o Itaú com as outras empresas. A Dexco, já é, mas queremos transformar ainda mais, em um grande player de material de construção, de varejo de construção. Estamos investindo para que seja nossa plataforma nesse setor. A Alpargatas, queremos transformar em uma grande empresa de moda, de calçados. Vendemos todos os penduricalhos, como jeans na Argentina, Mizuno e Osklen, que não davam retorno. Compramos [a Alpargatas] a Rothy’s, que essa sim é uma startup. Por isso resolvemos fazer não com dívida (é uma empresa no exterior, com descasamento de moeda), mas sim com capital. Por isso, subscrevemos nossa participação no aumento de capital na Alpargatas, junto com a BW [da família Moreira Salles] e vedemos o restante no mercado. A ideia é que, consolidando esse passo, a gente faça outras aquisições.

E também fizeram os investimentos em energia e infraestrutura.
Sim, na Copagás. Nós é que financiamos a compra da Liquigás. Entramos para que ela fizesse essa aquisição. Nós até nos juntamos a ela porque era a única que podia comprar a Liquigás no Brasil. Lá, financiamos parte em capital e o restante alavancando bastante a companhia. Agora ela está pagando esse investimento, diminuindo esse investimento. Quando compramos, chegou a ter endividamento de 6 vezes Ebitda. E hoje está em menos de 4 vezes. Nós já mudamos o nome da empresa para Copa Energia. Porque queremos transformar o negócio em uma plataforma de energia, não ser só GLP o produto dela, até porque em gás não há mais o que ela fazer. Vamos entrar em alguns segmentos, como renováveis.

Em saneamento vocês escolheram a Aegea. Por que esse setor e essa companhia?
Porque é a maior plataforma de saneamento do país, com todo o investimento e oportunidades que existem no setor. Ela gera caixa para isso. Ela será cada vez mais a grande plataforma do país nesse setor, que terá um grande desenvolvimento. O que vai acontecer no país em saneamento é uma revolução. Daqui a sete ou oito anos, as empresas vão cumprir as suas metas, será outro país. Haverá impacto na saúde pública e na educação. Até aumentaríamos nossa participação na companhia, se pudéssemos. A Aegea pode ser também uma grande consolidadora do setor. E há um lado social que também nos atraiu. Melhorar a situação de milhões de pessoas no país pesou muito na nossa decisão. Ela terá impacto enorme em muitos municípios e também na Baía de Guanabara [RJ], porque os lotes que ela conquistou no leilão de Cedae são os que mais poluem.

Bom, e agora entraram em CCR, o que foi uma surpresa. É uma empresa relevante, mas que vem de um cenário que enfrentou muito desafios. Por que escolheram esse negócio?
Porque não há dúvida de que é a única grande plataforma de mobilidade do país, com aeroportos, estradas, metrô. Tem grandes ativos. Renovou a concessão para a Dutra. Tem endividamento relativamente baixo. Essas empresas são grandes geradoras de caixa, apesar de terem investimentos relevantes a fazer. E tudo isso também desenvolve o país. E a NTS é a grande distribuidora de gás, com a ligação para o gasoduto. Agora, sabemos que, tirando a Copa Energia, Dexco e a Alpargatas, as demais são todas concessões. Como o setor industrial está arrasado, o que tem de oportunidades no país hoje é infraestrutura. Onde tem todo potencial de crescimento e investimento e uma rentabilidade razoável. Não é uma super rentabilidade, mas é muito boa, para um setor com riscos relativamente baixos.

Mas justamente por serem concessões, são setores também muito dependentes de políticas públicas. Isso não preocupa a Itaúsa?
Sim, mas são diversificadas, tanto em ativos, mas também de risco de governo, porque está distribuída em concessões municipais, estaduais e federais. Claro que avaliamos tudo isso. Algumas tem a dependência de preço. Vimos agora o governo de São Paulo que congelou tarifas, mas já fez um plano de como vai compensar isso.

E como é feita a gestão da governança disso tudo? Qual é o papel da Itaúsa nessas companhias
Nenhuma dessas empresas nós controlamos sozinhos. Nem mesmo o banco, que co-controlamos com a família Moreira Salles, desde a fusão com o Unibanco. Nos demais, temos acordos de acionistas, que nos coloca sempre com um ou dois assentos nos conselhos de administração. A primeira coisa que nos preocupa muito como empresa aberta é governança. Atuamos muito forte nisso, e em controles e transparência. Na estratégia, sempre procuramos nos associar a operadores, pessoas que tenham conhecimento nos setores.

Grande parte do mercado, principalmente pessoas físicas veem a Itaúsa como grande pagadora de dividendos. O dividendo deve diminuir um pouco pelo custo do crescimento?
Teve três anos, 2017, 2018 e 2019 em que o banco pagou muito dividendo. O payout da Itaúsa entre 2009 e 2016 foi da ordem de 40%. Depois, entre 2017 e 2019, chegou a 80%. E muito em função das distribuições de resultado do banco. Naquela época estava sobrando capital. Aí veio a pandemia, teve que fazer provisões e o Banco Central limitou a distribuição de dividendos. Agora estamos em uma outra realidade. O banco está gerando capital, mas a carteira de crédito está crescendo muito. ‘Onde se aloca capital?’ O grosso do capital do banco é alocado hoje na carteira de crédito. O Banco Central exige muito capital para dar crédito. Por isso essas empresas novas crescem pouco no crédito, porque não têm capital. Sem capital não cresce a carteira e o banco está com uma carteira de crédito de R$ 1,2 trilhão. Uma loucura. O Nubank tem R$ 10 bi. A gente tem R$ 1,2 trilhão.

O banco segue crescendo bastante, mesmo sem aquisições.
Então, o que o banco está gerando capital, mas está sendo consumido pelo próprio banco, por essa fase de expansão orgânica. É a mesma coisa que a Dexco e a Alpargatas. Então, nesse momento, as empresas e nós, não pagamos dividendos como entre 2017 e 2019, mas patrimonialmente está crescendo. O banco está pagando menos dividendo, mas o patrimônio da Itaúsa está crescendo por equivalência patrimonial. É um tade-off entre caixa e patrimônio, mas já se estabiliza. Passa por essa fase, as empresas diminuem investimentos e passam a pagar dividendos. Estamos passando por um momento de transição, criação de portfólio, banco crescendo e empresas crescendo. Senhores investidores, empresas todas estão em expansão. É um trade-off entre patrimônio e caixa. Mas já já vem dinheiro, com as empresas passando a gerar mais caixa. O mercado se acostumou com níveis pré-pandemia, que eram irreais.

E tem mais diversificação ainda para fazer?
Nesse momento, vamos dar uma paradinha para ver o que podemos fazer. A Itaúsa é uma holding pura. Ela não gera caixa. Ela gera recursos com os dividendos que recebemos. Como fizemos temos esses investimentos e essas empresas estão em processo ou de desalavancagem ou de expansão, recebemos ainda poucos dividendos. E para comprar essas empresas, fizemos dívidas. Claro, se surgir uma oportunidade muito interessante, temos capacidade de nos alavancar mais. Mas nesse momento queremos desalavancar e consolidar esses investimentos todos. Aegea e CCR são muitos recentes. Em CCR, não teve o closing.

Mas o financiamento da CCR está praticamente todo resolvido?
Sim. Fizemos metade em dívida, com a emissão de debêntures, e metade em caixa. Vendemos ações da XP para esse investimento.

E a venda de ações da XP? Quais os planos?
No caso da XP, desde o primeiro dia, dissemos que não era um investimento estratégico. O que queremos fazer é investir em empresas não financeiras. Vamos usar os papéis da XP para amortizar dívida, fazer novos movimentos. É um colchão de liquidez e vamos alocar conforme as oportunidades. Hoje, uma boa alocação de capital para a XP, é reduzir a despesa com juros que está muito alta. Para uma empresa que só gera caixa pelos dividendos que recebe, precisamos reduzir essa dívida. A prática da Itaúsa é distribuir o que ela recebe do banco. E com os outros dividendos, pagar as nossas despesas. Só que hoje elas estão muito altas por causa das debêntures.

1ª parte publicada originalmente em: cutt.ly/eXxdsZB

A Itaúsa investiu muito no setor não financeiro, mas o banco também está crescendo, o setor está mais competitivo. Como o senhor vê o movimento no setor bancário entre fintechs e bancos?
Lembro bem quando o Ayrton Senna morreu e o Alain Prost disse que ‘morreu uma parte da minha vida’. E o Itaú e o Bradesco, um depende do outro, ainda. Então é bom ter outros desafiadores, é bom ter um Nubank, uma XP, um Neon, Inter, porque nos desafia. Senão fica o Itaú e o Bradesco – a velha guarda – brigando. Vejo bem, obriga o Itaú e o Bradesco a melhorarem, puxa a disputa. Acho bom. Os bancos vão perder um pouco de margem e de mercado, mas por outro lado forçam mais eficiência, melhorarem tecnologia, inovação. Tem o lado positivo. Não vemos muito problema. O que nos incomoda, mas o Banco Central tem, aos poucos, corrigido, é que eles davam muita vantagem regulatória para essas instituições e tínhamos que cumprir um monte de regulação de capital e esses novos players não tinham.

O senhor acha que o Banco Central exagerou na dose nesse ciclo de alta da Selic ?
Acho que ele exagerou na dose quando levou o juro para 2%. Acho que nunca fez sentido aquilo. Agora não. Ele corrigiu o erro rápido. Mas o erro foi na descida, não na subida. Se eu perguntasse há três anos que a inflação nos EUA estaria em 9% em 2022, quanto acharia que ia estar no Brasil? Ia falar 20%. O Brasil está com 10,5%. Alguma coisa certa a gente fez. Mas é difícil, vamos ter que remar muito para corrigir tudo isso.

Por causa do movimento das fintechs, muitos acreditam que o cenário de crédito vai mudar no Brasil. O senhor acredita que isso possa acontecer no médio longo prazo?
Acho que sim. Mas o setor financeiro será sempre muito regulado – sempre – porque se trata de poupança de terceiros. Tem que ter regras prudenciais muito fortes. Não acredito que isso vá mudar. O que pode acontecer é ter mais ofertas por outras fintechs e novos bancos, com alternativas de crédito que vão sendo criadas. E também pelas próprias empresas dando crédito direto. Várias coisas devem acontecer para que aumente a oferta de crédito no Brasil, mas vai ser sempre regulado. Não tem como não ser. O banco trabalha com capital de terceiros. O passivo do banco é enorme, com muitos depositantes.

Esse aumento de juros preocupa, do ponto de vista dessa expansão do crédito?
Preocupação tem, mas ainda está estável. Pelos números que os bancos divulgaram ainda está ok – surpreendentemente. Porque no fundo temos uma economia informal muito grande. É o que faz com que os índices de inadimplência não tenham subido tanto. A economia informal brasileira é muito grande. Agora, de forma geral, o crédito vai crescer. É bom que cresça e tenha mais gente. O Itaú está aumentando a carteira de crédito, mas não tem excesso de capital para dar crédito. É bom que tenha outros players para complementar. Só Itaú, Bradesco e Santander não são suficientes pelas regras atuais. Vai precisar de mais capital para poder crescer a oferta de crédito no Brasil. Os bancos e fintechs vão precisar de mais dinheiro. Aquela história que o banco vive de juro alto é lenda.

É lenda?
É lenda! Juro alto com crescimento baixo é inadimplência, é perda. Não é lucro, é prejuízo. Hoje os bancos são muito mais sócios do crescimento e juro baixo pelo tamanho da carteira. Antigamente os bancos gostavam da inflação e do juro alto porque a carteira era pequena. Ninguém tomava crédito quando a inflação estava em 10% ao mês. A carteira de crédito era deste tamanhinho e a carteira de título desse tamanhão. Então, se ganho muito com os títulos e perco pouco com a carteira, está ótimo. Agora inverteu, pela exposição. Então, ganho um pouquinho aqui [com títulos do governo] e perco um monte aqui [no crédito]. Para os bancos, é melhor cair os juros. Inverteu a lógica. Esse negócio de juro alto no Brasil acabou, ninguém mais gosta – nem os bancos. Juro alto com crescimento baixo é uma desgraça. Juro alto com crescimento alto também não é bom.

Mas, de forma geral, então, o senhor não vê o aumento da competição no setor financeiro como algo ruim?
O que é ruim mesmo no Brasil é o baixo crescimento da economia nos últimos 40 anos. Isso que é ruim, não a competição. A competição é bem-vinda, desde que seja leal e com regras minimamente competitivas. O problema é que o Brasil não cresce. Se crescesse, seria outra coisa. O crescimento estrutural brasileiro é muito baixo. Se o Brasil crescesse 4%, 5% ao ano, tinha mercado para todo mundo. Não precisa crescer como a China.

O que falta para o Brasil crescer?
Perdemos um pouco do bonde da história. É difícil recuperar agora. Ficamos muito para trás.

Para trás do que exatamente?
Para trás do crescimento e das consequências que o crescimento traz para educação, saúde, tecnologia e inovação. O crescimento sozinho é bom, mas o melhor é o que vem junto, como a diminuição da desigualdade –  e nós perdemos esse trem. Nos últimos 40% a economia americana cresceu 15% a mais que a brasileira – daquele tamanho. É uma vergonha. Aí tem várias razões: inflação, fiscal, política. Tem dezenas de razão que nos levam a um crescimento estruturalmente baixo, dívida, juros reais sempre altos. São vários fatores.

Mas muitos estão otimistas, entendem que o país está mais empreendedor. O senhor também vê dessa forma?
Concordo, acho que o Brasil tem se tornado cada vez mais empreendedor – até pela falta de crescimento e de perspectivas de bons empregos. Não só nas classes mais altas, mas nas comunidades carentes está cheio de gente empreendendo, porque a perspectiva de crescimento formal é muito baixa. Então, o empreendedorismo cresce pelas razões erradas. Mas é bom, mesmo assim. Agora, se isso vai ser capaz de virar o jogo, já tenho minhas dúvidas.

Na sua visão, tem como corrigir a rota do país, para esse crescimento reduzir a desigualdade?
É difícil tirar o gap em relação às grandes economias. Para tirar o gap, mesmo em relação a outros países emergentes, tem que crescer muito. Acho muito difícil porque os outros também crescem. É aquela história do leão. Não preciso correr mais que o leão, preciso correr mais que você, o leão que te pegue. Agora ficou muito difícil. Precisaríamos ter um crescimento chinês para tirar essa diferença. Não vejo isso acontecendo. Se a gente cresce 5%, mas os outros crescem 4%, tira 1% ao ano.

A Itaúsa fez e está fazendo investimento em infraestrutura, que vão gerar e, ao mesmo tempo, demandar expansão econômica. O Senhor acredita que a iniciativa privada pode resolver o Brasil?
Acredito em boas políticas públicas. É preciso tiver boas políticas públicas de educação, de saúde, de política industrial. Achar que a iniciativa privada per si vai resolver o problema, não acredito. Sou liberal total, mas não acredito que o mercado resolva tudo num país como o Brasil. Nos Estados Unidos precisa menos dessa ingerência ou direcionamento, mas num país como o Brasil não acredito.

Então o gap do Brasil frente a outros países deve ficar cada vez maior?
Vai depender como o mundo vai crescer. Mas se a gente ficar nesse crescimento estruturalmente baixo de 2%, 2,5%, vai aumentar o gap. O mundo vai crescer mais.

E vai aumentar a desigualdade interna?
Por consequência. Não tem jeito.

O que ajudaria no gap da desigualdade?
Crescer.

Só crescer?
Gerar riqueza. Quando gera riqueza, gera educação, que gera gente melhor, que gera trabalhos mais qualificados. Sem crescer, a gente cai no assistencialismo. Não sou contra o assistencialismo. Acho que está certo o Bolsa Família, o Auxílio Brasil. Mas isso é paliativo a um baixo crescimento. Se crescesse não precisava disso. Mas como sai desse imbróglio eu não sei, ninguém sabe para falar a verdade. Ninguém tem uma fórmula mágica para resolver isso. Eu não sei.

Mas tem alguma frente que o sr. atacaria primeiro? Por exemplo, ficamos com a indústria defasada. Dá tempo de falar em política industrial ou está muito demodê?
Não acho que está demodê. Acho que a indústria no mundo Ocidental vai passar a ter uma importância maior do que tem hoje. Vai ter poucos novos investimentos das empresas ocidentais na Ásia, principalmente na China. Por causa da dependência chinesa, problemas geopolíticos, guerra e tal. Os outros novos investimentos devem ser muito mais fora da China. Vão para Europa, eventualmente para o Brasil ou para o México. Acho que vai haver uma realocação de fluxos de investimentos para outros países. Essa dependência da China está se mostrando maléfica. Isso tem consequências. Só que partir do momento que investe aqui ou na Europa, a inflação vai aumentar. Mas acredito que o mundo ocidental vai se reindustrializar ao longo das próximas décadas. Aliás, não tenho dúvida disso. Só que para aproveitar isso, o Brasil cai naquele problema de educação, mão-de-obra não qualificada, impostos, custo Brasil. Precisa muita coisa para reengatar a rota de crescimento.

Em relação a outros momentos, o senhor diria que está mais ou menos pessimista?
Se olhar a longo prazo, se não sair para um nível de crescimento bem superior, esses gaps vão aumentar. Esse é um lado mais pessimista. A desigualdade deve continuar. Por outro lado, tem o mercado interno, que cresce 2% — o que não é brilhante, mas cresce. Com essa taxa, é possível com taxas de retorno boas. Mas meu neto tem 2 anos e meio e ele ainda não vai viver num país maravilhoso. Mesmo assim, acho o Brasil vai conseguir retomar o rumo do crescimento.

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Por Graziella Valenti e Guilherme Guilherme

Publicado originalmente em: cutt.ly/UXxszSq

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