A Instituição Fiscal Independente (IFI) foi criada no final de 2016 pelo Senado e marcou um importante avanço. Com ela, o Brasil seguiu a tradição de países como Inglaterra e Austrália ao ter um órgão para fiscalizar como o Estado gasta o dinheiro arrecadado com impostos e aumentar a transparência das contas públicas. Em entrevista a MONEY REPORT, Felipe Salto, diretor executivo da IFI, fala sobre a urgência do ajuste fiscal.
Qual o efeito da não aprovação da reforma da Previdência nas contas públicas?
Não diria que é um cenário de terra arrasada. A reforma da Previdência volta ano que vem como um tema de primeira grandeza porque a prioridade no ajuste fiscal continua muito evidente. E o ajuste só será realizado plenamente se avançarmos na agenda dos gastos obrigatórios, não focando apenas nas despesas previdenciárias, mas também em gastos com pessoal. Caso contrário, o risco de descumprimento da Lei do Teto dos Gastos em 2019 é alto.
Qual o esforço fiscal o governo terá de fazer?
O superávit primário para estabilizar a dívida em 86,6% do PIB está na casa dos 2,5% do PIB. Dado que temos um déficit primário, o esforço fiscal para isso seria de 4,5 pontos percentuais do PIB. Isso exige um esforço de cerca de R$ 350 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do Bolsa Família é de R$ 30 bilhões e o déficit da Previdência ficou em R$ 268,7 bilhões ano ano passado, incluindo INSS e setor público. Ou seja, é um esforço muito grande. Por isso a agenda fiscal precisa ser prioridade do próximo governo.
E que medidas o governo poderia adotar?
A IFI não dá recomendação de política, mas pode discutir o cardápio. Atacar salários e benefícios acima do teto do funcionalismo e rever algumas transferências sociais são medidas que precisam ser debatidas. O gasto público com pessoal, incluindo inativos, corresponde a 4,5% do PIB, enquanto investimentos não passam de 0,8% do PIB. Como se reduz esse custo? Congelando reajustes. Também precisamos discutir o custeio da máquina pública. Eu fiz um estudo com o Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, que mostrou que o setor público paga um sobre preço médio de 30% em compras na comparação com o setor privado. Essa diferença, que pode ser zerada com mais eficiência nas compras governamentais, significaria uma economia de cerca de R$ 140 bilhões em dez anos. Também temos que olhar para a receita. Vemos muito espaço para melhorar a eficiência da arrecadação e reduzir a regressividade, que prejudica os mais pobres.
No Brasil, ajuste fiscal é identificado como uma agenda de conservadores que defendem o Estado mínimo. Faz sentido isso?
Questão fiscal não é ideológica, é questão de sobrevivência do Estado. Se você pegar o pessoal sério, da direita e da esquerda, todos pensam em como resolver a questão fiscal. Há divergências em relação ao caminho a ser adotado. Estado com contas em frangalhos perde a capacidade de investimentos e de adotar medidas para estimular a economia, o que é ruim para todos.
O senhor acredita que o tema será debatido na eleição, ao contrário do que ocorreu em 2014?
Acho que sim. Diferente de 2014, não há espaço para um político prometer “terrenos na Lua”. Quem fizer isso será classificado como irrealista. Até pessoas menos informadas sabem que estamos vivendo uma crise fiscal.
Mas a impressão que passa é que o Congresso não viu a urgência do tema.
Há uma preocupação com o tema. E a própria criação do IFI é uma prova disso, já que estamos ligados ao Senado. Há uma visão mais realista de que não dá para continuar empurrando o problema. Sem o ajuste fiscal faltarão recursos para fazermos o mínimo. O país já passou por crises mais sérias no passado. Mas, do ponto de vista fiscal, a atual é uma das mais graves.
Então por que o Congresso nem sequer votou a reforma da Previdência?
Nossos políticos refletem a sociedade. Nós, técnicos, podemos ter boas soluções, mas é a política que define. O que falta não é a conscientização da classe política, mas do país como um todo. A reforma da Previdência reflete isso. Precisamos explicar melhor à sociedade. Se fizermos isso, ela vai apoiar. Houve problemas na comunicação para explicar a importância do tema. E, também, fica mais difícil aprovar uma reforma como essa se outros setores continuam com privilégios.