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A intolerância é um inimigo ainda pior que o coronavírus

Ontem ouvi de uma das maiores autoridades em saúde pública o seguinte: neste momento, precisamos estar com a mente aberta, pois os cientistas ainda não conseguem encontrar todas as respostas para nossas perguntas.

Há uma quantidade enorme de estudos científicos circulando por aí. Muitos desses documentos nos levam a conclusões diametralmente opostas. Como há países nos quais os métodos de combate ao vírus são completamente diferentes e geram resultados diversos, as estatísticas são usadas para questionar qualquer ideia. Quarentena total? Há centenas de dados a favor e outro tanto contra. Isolamento vertical? O mesmo.

Questões relativas à saúde devem ser encaradas tecnicamente. Ocorre que, neste caso, sabe-se muito pouco sobre o coronavírus e não temos um histórico razoável para medir seus efeitos. Sabemos, com certeza, que ele é extremamente contagioso – talvez a epidemia que mais rápido se espalhou na história médica. Outro dado inquestionável: há um número enorme de contaminados que não apresentam sintomas (um levantamento fala em 15 assintomáticos para um sintomático, mas os números variam de acordo com a fonte).

Se temos uma dificuldade de analisar o problema do ponto de vista técnico, precisamos ter mais tolerância ao abordar o tema. A essa altura do campeonato, temos apenas conjecturas e ainda estamos longe da certeza absoluta. Portanto, é hora de debatermos o assunto sem paixões. Se enveredarmos por uma briga sem argumentos, talvez a intolerância produza efeitos mais perversos que o vírus em si. O lockdown total pode ser imposto à população e ser uma solução errada. Ou a quarentena vertical também pode ser exigida pelas autoridades à sociedade e ser um recurso errôneo.   

O debate parece ter adquirido contornos econômicos, sociais e até ideológicos. Há muita gente contra o fim da quarentena porque o presidente Jair Bolsonaro quer a volta da atividade econômica para preservar empregos e é partidário da imunização dos mais jovens. Outros são a favor simplesmente porque o mandatário assim o quer. Mais uma vez, caímos num Fla-Flu inconsequente. Só que, dessa vez, há vidas em jogo como resultado desta pinimba política.

O que fazer? Ouvir os argumentos dos dois lados com calma. E processá-los. Verificar a sua procedência, checá-los e avaliá-los. Ontem mesmo vi um tuíte de um jornalista que ponderava o seguinte: São Paulo tem mais mortes que Beijing, Shanghai e Hong Kong juntas. Por que, então, haveria de relaxar a quarentena? Bem, o governo chinês – uma ditadura, é sempre bom lembrar – isolou a província de Wuhan e impediu a proliferação do vírus em território chinês. É justo comparar a situação de São Paulo com a de cidades chinesas que viveram a periferia da epidemia? Provavelmente não. Por que não comparar o que ocorre em território paulistano com o que aconteceu em Wuhan, cujo número de habitantes é semelhante?

Aqui vale um comentário adicional: vivemos numa democracia e numa nação de origem latina – um país que não é considerado sério por alguns estrangeiros. Mesmo assim, as ruas estão vazias. E já estavam mesmo quando os restaurantes e bares ainda estavam abertos. Alguém apostaria nisso?

Na Europa, houve regiões em que a reação da população ao anúncio do lockdown foi lotar locais públicos. Há relatos de filas enormes em estabelecimentos que servem bebidas e comida. Uma aglomeração que só fez espalhar a doença. Muitos esperavam o mesmo no Brasil. Isso aconteceu? Não.

Diante do desconhecido, as reações mais frequentes são o medo e a ansiedade. Mas também surgem o egoísmo, a raiva e a intolerância. Estamos numa situação limite. Em guerra com um inimigo invisível. Nessas horas, quem tem calma e raciocina sai vencendo. O brasileiro teve tranquilidade e comportou-se com seriedade ao respeitar a quarentena total. Devemos ter a mesma serenidade para ouvir os argumentos, pró e contra, sobre o fim deste isolamento horizontal. Até porque qualquer tipo de quarentena está fadado ao fracasso se for imposto por muito tempo. É da natureza humana procurar se relacionar com o próximo. Assim como é atávico ao nosso comportamento defender nossos pontos de vista. Fica, assim, a minha pergunta: não é hora de ouvir e pensar antes de responder à opinião dos outros? Esquecer sua própria convicção por um instante?

Sou jornalista. Ganho a vida conversando com as pessoas e tentando entender o seu raciocínio, por mais estapafúrdio que ele me pareça. Por isso, tenho uma capacidade quase que natural de ouvir argumentos contrários às minhas opiniões. Quem sabe não é a hora de todos agirem dessa forma?

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