Cesta básica ideal custa R$ 432 por pessoa e está fora do alcance da maioria da população, revela estudo do Pacto Contra a Fome; inflação de alimentos e crise climática agravam o problema
A alimentação adequada — direito garantido pela Constituição — está fora do alcance de 70% da população brasileira. É o que revela o mais recente estudo do Pacto Contra a Fome, que calcula o custo da chamada cesta básica ideal em R$ 432 por pessoa, valor inviável para a maioria dos brasileiros que também precisa arcar com moradia, transporte e outras despesas.
“Mesmo sendo um direito garantido, a alimentação adequada está fora do alcance da maioria da população. Nosso objetivo é evidenciar a distância entre a garantia constitucional e a realidade econômica das famílias”, afirma Ricardo Mota, gerente de inteligência estratégica do Pacto.
O estudo também revela que 10% da população — cerca de 21,7 milhões de pessoas — não conseguem manter uma dieta balanceada mesmo se destinarem 100% de sua renda mensal à alimentação. O rendimento médio necessário para cobrir os custos da cesta ideal e demais despesas seria de R$ 1.976 por pessoa, enquanto a média per capita atual é de R$ 2.020.
A pressão sobre o orçamento familiar se intensifica com a inflação de alimentos, que segue acima da média: 0,82% em abril, contra 0,43% do índice geral. Os alimentos in natura, essenciais para uma dieta saudável, são os mais afetados por variações sazonais e mudanças climáticas extremas. O tomate subiu 14,32% e a batata inglesa, 18,29%, por exemplo.
“Assim, o padrão alimentar dos brasileiros, sobretudo da população das classes mais baixas, vai se comprometendo”, alerta Mota. “Vai se compondo cada vez mais por alimentos ultraprocessados, que são deletérios à saúde.”
A consequência é grave: doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares, seguem em alta. Só em 2019, foram registradas quase 740 mil mortes associadas à má alimentação no Brasil, das quais 308 mil ocorreram entre pessoas de 30 a 69 anos — índice superior ao número de homicídios no mesmo período.
Além da questão da saúde pública, o estudo também aponta o impacto ambiental de uma alimentação pobre em diversidade. Hoje, 90% das calorias consumidas no mundo vêm de apenas 15 culturas agrícolas, sendo que metade da população global depende de arroz, milho e trigo. Essa monotonia alimentar torna as lavouras mais vulneráveis a pragas e demanda o uso crescente de defensivos agrícolas, com efeitos negativos sobre o meio ambiente.
Para mudar esse cenário, Ricardo Mota defende políticas públicas mais estruturais e o fortalecimento de programas como o Pronaf – ABC+Agroecologia, que apoia a agricultura familiar com crédito para práticas sustentáveis. “Apostar na agroecologia não é só uma resposta aos desafios do clima — é uma forma concreta de garantir o futuro da produção de alimentos no campo”, diz.
O Bolsa Família também é citado como uma ferramenta essencial para mitigar os efeitos da fome. “Embora o benefício ainda não garanta, por si só, uma renda digna capaz de eliminar completamente a pobreza, ele representa um importante complemento ao orçamento das famílias”, completa Mota. “Com pequenos ajustes, o programa pode ter um impacto ainda maior na segurança alimentar da população.”