Intermediar ordens de clientes, que acreditam estar dando ordens de compra ou venda aos preços exatos de mercado, é prática antiga em bolsas de países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Na prática, o investidor é enganado ao acreditar que ele está vendo, pelo broker da corretora, o mercado em tempo real, ou seja, a variação do preço de determinada ação ou derivativo, quando, na verdade, não está.
A ferramenta usada pela XP para manipular o mercado se chama Retail Liquidity Provider, ou Provedor de Liquidez no Varejo. Ela se aproveita de tecnologias que permitem operações em milisegundos (uma ínfima fração de tempo).
Nos Estados Unidos, o sistema é muito mais desenvolvido e complexo — chamado de ‘”flash trade”. Um facilitador para isso é que lá, ao contrário do Brasil, existem muitas bolsas de valores. Funciona assim: um investidor, de sua casa e por meio de sua corretora, emite uma ordem de compra de 10.000 ações da empresa XYZ ao preço que ele acredita ser o de mercado. Vamos dizer, US$ 10. O banco ou corretora, que vamos chamar de “flash trader”, consegue interceptar a ordem de compra, se antecipa e compra as ações pedidas pelo cliente que, numa fração de segundo, vê o preço de mercado subir para, digamos US$ 10,20, mais caro do pretendido.
Simplificando, seria como você ver seu amigo querendo ir à feira para comprar laranjas, correr na frente dele, comprar as laranjas e revendê-las a um preço um pouco mais caro. A diferença é que, no mercado de ações dos Estados Unidos, redes de fibra ótica privadas de altíssimo desempenho conseguem obter vantagens para determinados bancos ou corretoras, que se tornam mais rápidas que o resto do mercado.
Além disso, nos EUA, os bancos e corretoras podem fechar negociações nas chamadas “dark pools”, uma espécie de bolsa de valores privada e pouco transparente. Como funciona? Os clientes acreditam que estão enviando uma ordem de compra e venda para determinada bolsa (NY Stock Exchange ou Bats), mas a ordem vai direto para uma “dark pool” da corretora, e é executada lá mesmo — numa operação sem nenhuma transparência. Nessa situação nebulosa, a corretora consegue manipular os preços e ganhar um percentual em cima do cliente desavisado.
O caso já gerou muitos processos nos Estados Unidos. Os críticos dizem que bancos e corretoras enganam o cliente e manipulam o mercado. Já os advogados dos réus dizem que a ferramenta dá liquidez ao mercado — exatamente o que a defesa da XP alegou. O que deveria ser feito, no mínimo, é dar transparência a respeito dessa ferramenta — e facultar ao investidor o direito de aceitá-la ou não. O que não se pode fazer é atrair clientes prometendo corretagem zero. Como o mundo real não deixa de mostrar, nada é de graça.