Pesquisa aponta viabilidade da jornada de 36 horas semanais e alerta para impactos da sobrecarga de trabalho na saúde mental e na desigualdade de gênero
O Brasil já reúne as condições necessárias para adotar a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, com a adoção da escala 4×3 — quatro dias de trabalho e três de descanso. A conclusão está em estudo publicado pelo centro Transforma, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).
Com base em dados socioeconômicos e entrevistas com lideranças sindicais, o relatório aponta que a mudança traria ganhos significativos em qualidade de vida, equilíbrio de gênero, saúde mental e geração de empregos. “A diminuição da jornada sem redução de salário é um passo fundamental contra a exploração da classe trabalhadora”, afirma o documento.
A urgência da proposta é reforçada por números alarmantes. Em 2024, o Brasil registrou 470 mil afastamentos por motivos de saúde mental — o maior número da última década, com crescimento de 68% em relação ao ano anterior. A jornada 6×1, predominante nos setores de comércio e telemarketing, está diretamente associada a insatisfação, rotatividade elevada e adoecimento.
Cerca de 20,88 milhões de brasileiros trabalham mais do que as 44 horas semanais permitidas por lei. Homens negros representam 36,7% desse contingente. Mulheres, por sua vez, acumulam em média 11 horas de trabalho diário somando atividades remuneradas e domésticas, o que reforça a desigualdade de gênero. A redução da jornada, segundo o estudo, seria um passo importante para ampliar a participação feminina no mercado formal.
Setores como transporte, comércio, telemarketing, alojamento e alimentação concentram os piores indicadores. No telemarketing, por exemplo, 72% da força de trabalho é composta por mulheres, que enfrentam metas abusivas e taxa de rotatividade de 55,7%.
Marilane Teixeira, economista e coautora do estudo, avalia que a medida pode ajudar a reduzir o desemprego e a informalidade. “Essa proposta pode criar novos postos de trabalho e impulsionar a formalização”, destaca.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a limitação da jornada foi protocolada em fevereiro de 2025 pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP). O texto fixa a carga semanal em 36 horas, com implementação gradual ao longo de um ano. Se aprovada, a medida pode beneficiar diretamente 38,4 milhões de trabalhadores com carteira assinada — o equivalente a 37% da força de trabalho formal —, além de provocar efeitos positivos indiretos no mercado informal.
O relatório também enfatiza que a produtividade não seria afetada. Experiências nacionais e internacionais mostram que empresas que já adotaram modelos mais curtos mantiveram seus níveis de desempenho e registraram melhorias no bem-estar dos funcionários.
“O mundo já debate isso, e o Brasil não pode ficar para trás”, conclui Clara Saliba, coordenadora do Transforma-Unicamp e uma das autoras da pesquisa, que também contou com a colaboração de Carolina Lima e Lilia Bombo.