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Você já foi corrigido quando estava certo?

Certa vez, estava conversando com uma jornalista que trabalhava em minha equipe sobre perfis de personalidades estrangeiras. Lembrei-me da apresentadora Oprah Winfrey, que tinha entrado para a lista das pessoas mais ricas dos Estados Unidos – ou algo parecido. Ao pronunciar este nome inusitado (Oprah), detectei um quase imperceptível e rápido sorriso de ironia nos lábios da jornalista. Em sua próxima frase, ela chamou a celebridade de “Ofra” – um engano que muitos cometem, pois devem deslocar mentalmente o “h” ao final do nome para uma posição entre o “p” e o “r”.

Percebi que ela estava tentando me corrigir discretamente, mas continuei chamando a personagem da matéria pelo nome certo e a minha interlocutora usando a versão errada. Ao final do colóquio, perguntei se ela sabia a origem do nome da apresentadora. A jornalista desconhecia. Respondi que havia um grupo de comediantes da primeira metade do Século 20 chamado Irmãos Marx – e um deles se chamava Harpo. “Oprah” era “Harpo” ao contrário – por isso, esse era o nome da empresa que produzia os programas de televisão da apresentadora. Ela franziu o cenho, como se não acreditasse. Pedi a ela para fazer uma pesquisa e confirmar a história. Quando chegou a matéria em minhas mãos, a grafia estava correta – Oprah (importante lembrar que “Ofra” é um nome próprio, comum no Oriente Médio — mas não é o epíteto da titular do maior talk-show vespertino da TV americana).

Durante a minha vida, passei por situações semelhantes. Um antigo chefe se gabava de falar um inglês perfeito (o que estava longe da realidade) e pronunciava o nome do piloto de Fórmula 1 Nigel Mansell erradamente (“naiguel” em vez de “naijel”), me corrigindo frequentemente quando conversávamos sobre automobilismo. Ainda neste quesito, anos atrás, comentei com um amigo as reformas feitas no circuito de Paul Ricard, na França. Ele continuou a conversa chamando o autódromo de “Paul Richard” repetidas vezes, ignorando que o criador do pastis Ricard (uma bebida alcóolica à base de anis), que ajudou a construir a pista, nunca teve um “h” em seu sobrenome. Um fornecedor da Editora Abril, onde trabalhava, durante uma conversa, torcia os lábios cada vez que eu tocava no nome do Banco Santander. Aí, ele disse que o nome da instituição era “Santânder”. Retorqui que a pronúncia correta era “Santandér”. O sujeito continuou a falar errado do mesmo jeito.

Durante muito tempo, essa foi uma questão de honra para mim. Mostrar que estava certo e apontar o erro dos demais. Com o tempo, percebi que outros podiam enxergar um toque de arrogância neste comportamento. E passei a me controlar.

Ao mesmo tempo, isso acendeu um alerta em minha mente: será que eu não havia corrigido erradamente os outros durante minha vida? Muito provavelmente. Desde então, tento refrear esse comportamento – mas, infelizmente, nem sempre consigo. Especialmente em relação a fatos históricos da política brasileira.

Nesta semana, participei uma discussão por conta de um post em grupo de WhatsApp que atribuía o número de 513 deputados e 81 senadores à Constituição de 1988. Entrei em campo para lembrar que o número de congressistas havia sido ampliado no chamado Pacote de Abril, quando o então presidente Ernesto Geisel promulgou medidas para garantir a vitória de seu partido, a Arena, nas eleições de 1978 (além de criar senadores que assumiriam seus cargos sem voto popular, apelidados de “biônicos”).

Depois, me arrependi do tom empregado na resposta – mas não do conteúdo em si. Percebo, cada vez mais, que a rede social exerce um poder invisível sobre todos nós. Nos irritamos com facilidade e queremos ganhar uma discussão rapidamente. Isso acaba afetando a todos. No meu caso em particular, vejo em diversos momentos que há um monstro de arrogância dentro de mim, que precisa ser domesticado e domado diariamente. Não é fácil. Mas é preciso renovar este compromisso diariamente. Caso contrário, seria uma pessoa insuportável – como vários personagens de nossa relação, que se julgam verdadeiros donos da verdade no ambiente digital.

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