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Um livro sobre o tema do momento: a polarização

Ontem li no site da revista EXAME uma nota sobre os cinco livros que Bill Gates leu em 2022 e recomenda. Um deles me chamou atenção: “Why we’re polarized” (“Porque somos/estamos polarizados”), do jornalista Ezra Klein (imagem). Trata-se de uma publicação lançada em 2020, mas mesmo assim encomendei a versão kindle do livro e comecei a lê-lo imediatamente. Logo no início, desconfiei que Klein seria democrata. Fiz uma pesquisa rápida e vi um forte indício de que meu palpite poderia estar correto: ele tem um podcast no site do New York Times. Mas, ao me debruçar sobre os temas abordados e em seus textos, vi que ele trata de forma bastante honesta a visão conservadora em relação a vários assuntos do modo de vida americano, desde questões relacionadas ao aborto à relação entre Donald Trump e os eleitores republicanos, passando pela Guerra da Ucrânia.

Decido ir em frente.

Logo na introdução, Klein discorre sobre o fenômeno que chama de “política de identidade”.  Trata-se do conjunto de ações políticas engendradas por grupos marginalizados ao longo da História. Quando um negro reclama de brutalidade policial ou uma mulher se preocupa com o fato de homens ganharem salários mais altos, estes atos fazem parte da “política de identidade”.

Mas o que acontece quando um fazendeiro branco que anda armado reclama quando não pode comprar revólveres por conta de sua ficha policial ou um CEO demoniza altos impostos? Essas ações são vistas pela sociedade como manifestações de uma política antiquada, ligada ao conservadorismo.

Para o autor, este fenômeno representa perfeitamente a polarização que tomou conta dos Estados Unidos (e, por tabela, outros países do globo). Esta polarização, no entanto, não surgiu de uma hora para outra. Foi cultivada em fogo brando ao longo do Século 20 e introduzida em nosso meio já nos primeiros momentos das últimas décadas.

O primeiro capítulo tem um título sugestivo: “Como os democratas se tornaram liberais e os republicanos viraram conservadores” (lembrando que, nos Estados Unidos, “liberal” tem sentido diferente do nosso, representando alguém que tem uma visão de esquerda de acordo com o espectro ideológico americano).

Klein afirma que nossa identidade política nos leva a atitudes polarizadas. Mas isso não se abate sobre outras identidades que formam nossa imagem pública. Ele escreve: “Pegue o meu caso. Eu sou americano, judeu, caucasiano, masculino, californiano. Meu pai é um imigrante brasileiro, o que me faz sensível a questões sobre imigração e sentir uma ligação familiar com o Brasil – além de me sentir relaxado quando escuto o idioma inglês falado com um sotaque brasileiro. Eu sou marido, pai, dono de um cachorro e você pode ativar qualquer uma dessas identidades ao criticar minha mulher ou meu filho e louvar gatos em vez de cachorros”.

(Confesso que saber das raízes brasileiras de Klein me torna imediatamente mais simpático a seu texto – é impressionante como nos vendemos barato quando percebemos que há alguém com sangue brazuca do outro lado do balcão.)

O autor ouviu o diretor do Laboratório de Comunicação Política da Universidade de Stanford, Shanto Iyengar, para escrever seu livro. E, nesta passagem, há dois pontos interessantíssimos. O primeiro é que, no início dos anos 1960, a universidade fez uma pesquisa para saber se os americanos ficariam contentes, descontentes ou indiferentes ao fato de um(a) filho(a) casar-se com alguém filiado a um partido rival. Apenas 5 % dos republicanos e 4 % dos democratas declararam que se sentiriam incomodados. Em 2008, no entanto, o instituto de pesquisas YouGov fez exatamente o mesmo estudo. O resultado foi muito diferente: 27 % dos republicanos e 20 % dos democratas declararam que não gostariam que isso acontecesse. Dois anos depois, a mesma pesquisa foi realizada. Houve outro salto: 49 % dos republicanos e 33 % dos democratas disseram que se incomodariam com uma situação dessas.

Iyengar desenvolve a hipótese de que a animosidade partidária (ou política) é uma das poucas formas de aversão que a sociedade atual não apenas permite como encoraja. “O ódio em relação à identidade política é permitido”, diz ele. “O mesmo não acontece com questões raciais. Ou de gênero. Você não pode expressar sentimentos negativos a respeito de grupos sociais nos tempos atuais. Mas as identidades políticas não são protegidas por estas restrições. Um republicano é alguém que escolheu ser republicano, então eu posso dizer o que quiser a respeito dessa pessoa”.

Sean Westwood, cientista político da universidade Dartmouth, também ouvido por Klein, diz que esse exemplo é amplamente disseminado pelos veículos de comunicação. Dificilmente os canais de TV a cabo ridicularizam alguém por conta de sua raça – mas fazem isso com frequência em relação às escolhas partidárias de determinadas pessoas. “A mídia virou uma espécie de líder tribal. Eles estão dizendo à tribo como se identificar e se comportar – e estamos seguindo o que nos é dito”, disse Westwood.

O foco do livro é o cenário político dos Estados Unidos. Mas muitos tópicos podem ser aplicados neste Brasil polarizado e dividido – especialmente neste ano de eleições. Entender as raízes do comportamento agressivo de quem defende suas ideias políticas com unhas e dentes é importante para encontrar formas eficazes de combater a violência e a intimidação que correm soltas hoje nas redes sociais.

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