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Os mais velhos continuam a fazer pouco da juventude de hoje

Um meme que circula pelas redes sociais me chama atenção nesta semana. Nele, há um pai, lendo um jornal, e uma criança. O menino pergunta: “Pai, eu tenho meu laptop, Ipad, tablet, MP3, notebook, smartphone… E vocês, na escola, o que usavam?”. A resposta lacradora: “A cabeça”. Vamos deixar de lado, por um momento, que laptop e notebook são quase sinônimos, Ipad é um tipo de tablet e que MP3 não é exatamente um aparelho, mas sim um tipo de arquivo digital. Essas incorreções não mancham o intento número um desta piadinha: fazer pouco das novas gerações e enaltecer a dos mais velhos.

Faço parte do último grupo. Cresci, como o menino do meme, interrompendo a leitura que meu pai fazia dos jornais. Minha geração foi taxada de alienada, pois tinha o hábito de assistir televisão com frequência e ler bem menos que os infantes que viveram nas décadas anteriores a 1960. Ah, um detalhe: nos anos 1970, o gosto da garotada pelo rock e pelas discotecas também geravam inúmeros muxoxos por parte dos mais maduros.

Hoje, aquelas crianças e adolescentes que foram espezinhadas pelos mais velhos repetem a história e fazem os mesmos com os mais novos. Os coroas de hoje têm alguma dificuldade para lidar com a tecnologia crescente, algo absolutamente natural para a juventude. Além disso, há um desconforto por parte de quem está envelhecendo diante da modernidade. Esse desconforto gera nostalgia e pode criar, em alguns casos, atitudes rancorosas.

Mas precisamos, antes de desprezar os mais novos, entender o que se passa pela cabeça deles. Até porque o mundo será tocado por esta moçada em um futuro próximo. É uma constatação óbvia que eles leem menos do que nós e que têm valores alinhados com o que se chama de politicamente correto – ao contrário da minha geração.

Fomos criados achando que vários preconceitos eram normais. Alguns de nós abraçaram essas lições (muitas vezes involuntárias) e se tornaram pessoas intolerantes. Trata-se de uma posição tão extrema quanto a dos jovens que enxergam normalidade em tudo. Seguindo a lógica de Hegel, talvez estejamos vivendo um momento transitório, para chegar a um meio-termo (ou uma síntese de visões) daqui a um tempo.

A minha geração também afirma que a juventude atual sofre de mimimi em relação a praticamente tudo e que não consegue resistir às dificuldades inerentes da vida. Isso pode até ser verdade – mas o mesmo ocorreu conosco. Nossa geração foi criada nos anos 1960 e 1970, quando a classe média dispunha de um sistema de saúde consolidado, conforto e uma certa fartura. Um verdadeiro paraíso quando comparamos a situação dos mais velhos, que passaram pelas agruras da Segunda Guerra Mundial, por vários momentos de desabastecimento e um sistema de saúde bastante precário. Quando essas pessoas, calejadas por uma vida dificílima, olhavam para nós, sentados no chão, comendo Lanche Mirabel em frente aos nossos aparelhos de televisão, pensavam que nós éramos molengas e sem iniciativa.

A tecnologia traz evoluções que tornam o cotidiano mais fácil para a humanidade e, de tempos em tempos, quebra paradigmas e muda radicalmente certas coisas com as quais estávamos acostumados.

Estamos prestes a sofrer mais um “break-through”: o implante de chips no cérebro humano, algo que pode revolucionar a nossa capacidade de raciocínio. Esta tendência é discutida em um dos livros de Yuval Harari – e é vista pelo autor israelense como um fator de preocupação. Seu temor é que isso crie uma raça de super-humanos que estará muito acima daqueles que não têm condições de comprar um chip e dar um upgrade no próprio cérebro. Harari se esquece, no entanto, que a lógica do capitalismo é baratear constantemente um produto de alta tecnologia até torná-lo acessível à maioria da população. Isso ocorreu com todas as grandes inovações – a última delas sendo o smartphone. Portanto, é de se esperar que exista uma pequena nata que desfrutará sozinha por algum tempo essa iguaria tecnológica. Mas, rapidamente, a maioria da população poderá ter o seu próprio implante.

Quando isso ocorrer, provavelmente os mais velhos da futuro vão dizer: “ser gênio Nutella, com um chip no cérebro, é fácil; na nossa época é que era difícil, tínhamos de pensar por nós mesmos”.

Já vivemos um prenúncio desse conflito de gerações. Os baby boomers ou membros da Geração X cresceram com o conceito de que precisavam acumular conhecimento para conseguir competência e crescer como profissionais ou em suas vidas particulares. Desde a revolução digital, porém, não é mais necessário acumular informações – elas estão na nuvem, prontas para ser acionadas diante de uma necessidade.

Ou seja, os mais novos não têm tantos dados acumulados em seus bancos de memória como aqueles indivíduos da era analógica. Isso acaba moldando um tipo de raciocínio diferente na juventude, que precisa ser estudado e entendido. Do ponto de vista empírico, é possível detectar uma coisa aqui e outra ali. O raciocínio dos mais jovens é rápido e afiado, embora não tenha muito embasamento no campo da informação. E também é contaminado pela pressa, pela falta de paciência e por uma pitada de egoísmo (não é à toa que uma das frases mais ouvidas recentemente, entre adolescentes, é “eles que lutem”).

Eles não são melhores nem piores que nós. São diferentes. Assim como não somos iguais a que nasceu nos anos 1930 e eles não terão o mesmo comportamento de que será gerado daqui a uma década. Existe um certo desprezo pela sabedoria dos mais velhos nos dias de hoje. Mas isso é algo que minha geração também praticou no passado. O fato é que precisamos respeitar as gerações que pavimentaram o caminho em que estamos agora, com suas diferenças e adversidades. Franklin Delano Roosevelt, o presidente que levou os Estados Unidos para a guerra e comandou a nação sentado em uma cadeira de rodas, pois teve poliomielite, disse sobre este fenômeno: “Há um ciclo misterioso em torno da História. Para algumas gerações, muito é dado. Para outras, muito é esperado”.

Roosevelt tinha perfeita noção do papel que desempenharia no curso da civilização ocidental e quão crucial seria a sua atuação para o futuro. Por isso, definiu seu momento histórico de uma forma inesquecível: “Essa geração de americanos tem um encontro com o destino”.

Será que o avanço inexorável e lépido da tecnologia levará os nossos filhos e netos também a um encontro com o destino?

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