No Brasil, muitas mudanças são difíceis de implementar por conta dos lobbies setoriais. A reforma tributária, por exemplo, recebeu tantas exceções que a alíquota do novo imposto, decorrente da junção do ISS com o ICMS, ficou alta demais e desagradou a vários segmentos da economia. O pacote de gastos divulgado há dias pelo governo, vai pelo mesmo caminho: embora bastante light, já está sob bombardeio de quem se sente prejudicado.
Um dos pontos levantados pelo conjunto de medidas é limitar os chamados supersalários, trazendo os vencimentos de quem ganha acima do teto do funcionalismo público para o patamar máximo, de R$ 44.000,00 mensais. Mas aqueles que recebem esses altos contracheques já ensaiam um ataque ao pacote.
Um desses setores é o Judiciário, que se manifestou através de uma nota conjunta, assinada por cinco associações: Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (CONSEPRE), o Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça Militar, o Colégio de Presidentes dos Tribunais Eleitorais do Brasil (COPTREL), o Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (COLEPRECOR) e os Presidentes dos Tribunais Regionais Federais das seis Regiões da Justiça Federal.
A nota protesta contra a tentativa do governo de acabar com os supersalários, que são recebidos por vários dos membros destas entidades. O texto diz o seguinte: “A proposta impacta diretamente direitos já consagrados da magistratura nacional. Entre os possíveis efeitos adversos, destaca-se o fato de que aproximadamente 40% dos magistrados contam atualmente com os requisitos para aposentadoria e, caso a PEC seja aprovada, muitos poderão optar por se aposentar imediatamente”.
Os magistrados ainda argumentam o seguinte: “Essa situação abrirá a necessidade de realização de novos concursos públicos e reposição de quadros, resultando em custos ainda mais elevados para o sistema, contradizendo o objetivo fiscal da medida. Além disso, uma saída massiva de magistrados ameaça agravar profundamente o congestionamento de processos no país, que, atualmente, soma um alarmante número de 84 milhões de processos em tramitação”.
É da natureza humana defender seu território e o status quo. Portanto, parece ser compreensível que os juízes tentem melar o pacote de corte de gastos e manter seus vencimentos como estão. Mas estamos falando de cifras realmente astronômicas. Um estudo desenvolvido pela ONG Transparência Brasil mostrou que em 2023 quase 70% dos 13.200 juízes e desembargadores pesquisados receberam entre R$ 100.000,00 e R$ 499.000,00 acima do teto. Ao todo, os tribunais pagaram a seus magistrados quase R$ 5 bilhões além do teto constitucional.
Não deixa de ser irônico que aqueles que deveriam defender os limites da lei e da Constituição, que estabelece um limite para a remuneração de funcionários públicos, venham a público justamente para defender o descumprimento das normas legais em causa própria.
Não é à toa, portanto, que a popularidade da Justiça brasileira esteja diminuindo. Segundo pesquisa Quaest de outubro de 2023, somente 17% dos 2.000 entrevistados têm uma imagem positiva do Supremo Tribunal Federal. Já um estudo de dezembro de 2023, do Datafolha, apresenta um aumento na desaprovação do trabalho dos ministros do STF, de 31% para 38%, Já a aprovação diminuiu de 31% para 27%.
Depois da defesa escancarada dos vencimentos de juízes e desembargadores, esses números devem cair ainda mais. Uma pena para o Brasil, que não pode se dar ao luxo de ter um sistema jurídico desacreditado.