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“Get Back”, uma canção à frente de seu tempo

No sábado passado, estava ouvindo música e o modo aleatório do iTunes escolheu “Get Back”, dos Beatles, para tocar. Fiquei prestando atenção na letra e isso me trouxe algumas lembranças sobre a canção e seus versos originais. Muitos se lembrarão desta faixa como a música que Paul McCartney cantava o refrão olhando para Yoko Ono (“Get back to where you once belonged” – “Volte para o lugar de onde veio”, em uma tradução livre). Essa história, contada por John Lennon em uma de suas últimas entrevistas antes de passar ao andar de cima, foi aquilo que acabou definindo este sucesso dos quatro rapazes de Liverpool.

Mas o que está por trás de “Get Back” é algo mais amplo e envolve um tema atualíssimo: a imigração em contraposição à extrema direita na Europa. Quando a primeira versão surgiu, em uma jam session (parte desse processo pode ser visto no documentário “Get Back”), a letra original fazia menção aos imigrantes paquistaneses que estavam sendo deportados ou tinham sua entrada dificultada no Reino Unido.

Em um discurso que ficou famoso em 1969, o deputado conservador Enoch Powell defendeu o fim da imigração de paquistaneses e ganhou a simpatia de um número enorme de eleitores britânicos – pesquisas da época mostravam que entre 67 % a 82 % dos súditos da Rainha, dependendo do estudo, concordavam com o speech “Banhos de Sangue”, proferido pelo congressista. Neste pronunciamento, ele previra que haveria um confronto nas ruas entre imigrantes e nativos (coisa que nunca ocorreu) e, por isso, pedia que a entrada de visitantes das antigas colônias inglesas fosse proibida no país.

Nesta primeira versão, na mesma linha em que se fala dos imigrantes do Paquistão, também existe a menção a Harold MacMillan, ex-primeiro-ministro britânico. Ele havia ocupado a casa que se localiza no número 10 da Downing Street de 1957 a 1963 e seu nome era constantemente lembrado como alguém que poderia ser reconduzido ao poder para apaziguar os ânimos no Reino Unido.

Ocorre que MacMillan tinha sido uma vítima colateral de um dos maiores escândalos já ocorridos na política inglesa, o chamado caso Profumo. Relembrando: o ministro da Guerra, John Profumo, teve um caso extraconjugal com Christine Keeler, que vinha a ser, nas horas vagas, uma garota de programa de luxo. Na mesma época, ela esteve envolvida com um espião soviético, chamado Yevgeny Ivanov. Detalhe: a pasta de Profumo chefiava o Exército. Uma das funções do então ministro era justamente proteger o Império Britânico da… União Soviética. O alvoroço que cercou o caso provocou a renúncia de MacMillan e o impediu de voltar à política ao final dos anos 1960.

Além disso, a letra de “Get Back” parece falar de uma mulher trans. Atenção para este verso: “Sweet Loretta Martin thought she was a woman/ But she was another man” (“A doce Loretta Martin pensava que era uma mulher/ mas era outro homem”). Paul McCartney pode ter escrito a letra no sentido figurado, como se essa mulher tivesse uma alma masculina – ou agisse como um homem sem perceber (usando, evidentemente, a mentalidade vigente na época). O fato é que esse trecho é discutido exaustivamente nos dias de hoje na comunidade LGBTQI+ em vários fóruns online, com pessoas exaltando e outras criticando veementemente a letra.

No final, as menções à imigração e à política britânica ficaram de fora da versão final e a canção chegou ao primeiro lugar na parada americana da revista Billboard em maio de 1969.  Mas, diante dessa história, é possível perceber que certas tensões existem na Europa há mais tempo do que imaginávamos. Será que isso pode ser resolvido em um futuro próximo?

No que depender de certos políticos, não. A bandeira contra a imigração, exaltando o nacionalismo, se confunde com a própria existência desses líderes – e começa a se espalhar para fora do círculo extremista, ganhando boa parcela da classe média. O que vai sair desse novo caldeirão, ainda não se sabe. Mas pode ser algo preocupante. Bastante preocupante.

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Comentários

Respostas de 22

  1. Os Beatles sempre escreveram seus protestos políticos entrelinhas, e isto provoca até hj uma revolução nas interpretações de suas músicas,provando assim a genialidade deles!

    1. Não creio, Marcos. Pode até ser que, uma vez, cantando a musica, tenha cruzado pela mente de Paul essa ideia que ela bem podia ir embora. Mas esse dia não foi registrado. Em nenhuma das vezes que vemos eles cantando Get Back aparece Paul olhando para ela. E, de fato, a ideia da música veio como critica a essa turma contra os paquistaneses. Quando eles dizem ‘get back’ não são eles falando. E sim repetindo com ironia o que os direitistas diziam. No document´ário vemos isso claramente quando improvisam de forma hilária a música Commonwealth. Um dos motivos que retiraram esse assunto da música oficial foi porque, temiam que não entenderiam. Que poderiam achar que estavam aprovando o congressista insano. Portanto não faria sentido Paul cantar isso para Yoko oficialmente visto que o “get back’ não é o que ele pensa, e se o que oustro pensam. Outros estariam dizendo a Jo Jo que voltasse. Por não compreenderem ou aprovarem o comportamento de Jo Jo. E não aprovarem o comportamento de Sweet Loretta.
      Estavam certos ao imaginar que não entenderiam a ironia, mas acharam que tudo bem, desde que fosse assunto político. O que não sabiam é que, com o passar do tempo, o assunto trans ficaria político! E muitos hoje, que não entendem ironia mesmo, criticam a música achando que é transfóbica, quando é exatamente o contrário. Sem contar que Paul tem um filho trans. Benedict, que nasceu mulher, Beatrice. Hoje é Benedict. E Paul entra com a bandeira LGBT em todos os seus shows dando suporte. ]
      O mesmo aconteceu com John Lennon quando fez uma música dizendo que a felicidade é uma arma quente. Pois tem gente que acha que ele estava aprovando o uso de armas pela população. Foi preciso explicar a origem de sua inspiração. Viu numa revista a declaração de um armamentista dizendo que Happiness is a Warm Gun. Ficou horrorizado. Arma por si so já seria estranho, mas quente…é que tinha sido usada recentemente. Alguém teria atirado contra algo ou alguém. Achou que daria samba, e deu. Era ironia! Ele estava era desaprovando. Enfim: se um autor quer ser entendido, não podem suar de ironias nas suas declarações. Grande parte não vai entender.

  2. O planeta Terra é de todos que assem nele, é o lugar de origem onde todos ten o direito sagrado de circular livremente. Dizer pra alguém “volte pro lugar de o de veio” é impróprio e não resiste a menor crítica.

  3. Faltou falar que a música foi amplamente utilizada por ativistas anti-americanos, que utilizavam o “Get back” referindo-se aos soldados Yankees no Vietnã. Aliás, essa é a linha interpretativa mais utilizada à época.

    1. O planeta Terra é de todos somente na utopia. Na prática, milhões de seres humanos são excluídos de muitos espaços e bens historicamente construídos.

  4. The Beatles foi a maior e mais revolucionária banda de rock de todos os tempos, suas canções se tornaram universais e serão tocadas para sempre , seus componentes estavam muito além do seu tempo , só quem viveu a época terá condições falar a respeito , como já foi comentado no passado , quem desejar se recordar do passado e realizar uma verdadeira viagem no tempo terá que obrigatoriamente voltar a ouvir diversas canções dos Beatles, eram tempos de sonhos que jamais retornarão, e o próprio John Lennon afirmou com muita percepção e propriedade , logo após a separação definitiva do grupo , ” O sonho acabou , vamos todos voltar a realidade ….” .

  5. Cada qual pessoa que ouvir Beatles, vai tirar conclusões de suas cabeças, o que importa é que eles foram e são os maiores que apareceram até hoje na música universal. BEATLES FOREVER YUNG

  6. Beatles eram gênios, eram além de seu tempo, e matérias como essa só ratificam isso…porém como toda classe artística, sonhavam/sonham com um mundo ideal impossível de existir…acho muito bacana ser favorável à imigração desenfreada sem propor de onde vem os recursos financeiros pra manter estas pessoas que sim, são necessitados, mas não podem sobreviver apenas com ar, vento, orações e mensagens de luz…

    1. O Paquistão, assim como diversos países asiáticos, e de todos os continentes, foi colônia do Império Britânico, sendo parte da Commonwealth, como a Inglaterra “gentilmente” apelidou os países onde se estabeleceu para explorar suas riquezas e espoliar seu povo, naquilo que se conhece como imperialismo. Então esses “imigrantes” eram, na verdade cidadãos supostamente britânicos (afinal Commonwealth Siri icica, literalmente, riqueza comum. Se a riqueza era comum, os paquistaneses, indianos, jamaicanos, etc) tinham teoricamente todo o direito de ir viver na Inglaterra. Ocorre que os ingleses talvez nunca tivessem acreditado que eles efetivamente iriam se mudar para lá. Só quando isso passou a ocorrer foi que se deram conta de que poderia ser uma péssima ideia para o país.

  7. A matéria é boa, embora discorde que o comentário insensato de John tenha definido a música, que já era sucesso antes dele dele falar o que imaginou. Também faltou clareza. Do modo que ficou, podem pensar que os Beatles estariam a favor da proibição de entrada dos paquistaneses, quando a verdade e bem o oposto. Estavam ironizando. E removeram essa parte da versão oficial exatamente por temerem isso. Poderiam não entender. Quem ver o documentário Get Back vai entender. Está muito claro lá. Inclusive mostram eles lendo as notícias no jornal. Mas nem todo viram. O “get back” não representa o pensar deles, e sim o pensar dos que eles desaprovam.

  8. Get back, como canção, é boazinha, mas também é um refugo que só entrou no último álbum dos Beatles à falta de outra. Agora, usar a canção para lacrar é de f*der. Por que caras como você não vão conhecer a Europa e ver a bosta que ela se tornou por causa dos “bonzinhos” social-democratas?

  9. Independente qual a razão do tema da música quem perde são os fãs de perder a oportunidade de escutar essa música ao vivo devido ao “mimi” que isso pode causar

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