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Os protestos no Chile têm pouco (ou nada) a ver com o liberalismo

Quando eclodiram os primeiros protestos no Chile, a esquerda brasileira se apressou em acusar a receita liberal adotada por anos a fio no país como responsável por um quadro de insatisfação profunda que finalmente ganhou as ruas. O liberalismo, assim, teria levado a economia local a uma situação de desigualdade insustentável, que teria levado a população às ruas. Os números da economia chilena, no entanto, mostram que esta teoria é uma fantasia. E que os fundamentos econômicos do país andino apresentam uma solidez bem maior que os brasileiros, seja qual for o indicador pesquisado.

Na ponta do lápis, o Chile é uma nação com maior renda per capita, menos desigual, mais competitiva e menos endividada que o Brasil. Há, contudo, dois fatores que talvez contribuam para algum tipo de descontentamento latente. O primeiro é a capacidade de gerar riquezas. Ao contrário de Pindorama, os chilenos não têm indústria ou agronegócio pungentes. Além disso, não têm um mercado interno do mesmo tamanho que o nosso — a população de lá equivale a 9% da brasileira. O resultado deste quadro é uma mobilidade social restrita. Mesmo assim, entre os países da OCDE, o Chile é o que apresenta os maiores índices neste quesito.

Ou seja, embora com uma certa restrição em relação à ascensão social, trata-se de um país mais rico e menos desigual que o Brasil. Por que, então, houve essa enxurrada de protestos?

A situação atual em Santiago lembra muito a de São Paulo em 2013. De uma hora para outra, uma onda de manifestações surgiu praticamente do nada e motivada por um aumento de tarifas no transporte público em São Paulo — curiosamente, o mesmo pretexto para turbinar o engajamento aos protestos na capital chilena.

Antes de junho de 2013, o país vivia uma aparente tranquilidade. A então presidente Dilma Rousseff tinha um índice de aprovação de 57 %. Apenas 9 % consideravam a gestão petista ruim ou péssima. A economia, no ano anterior, havia registrado uma alta de 0,9 % do PIB. Mas o avanço do produto interno nacional em 2013 foi de 2,3 %. Ou seja, havia um aquecimento econômico em curso e uma taxa de desemprego na marca de 4,3 %, uma das menores da história.

Não se pode, assim, dizer que aqueles protestos eram dirigidos ao PT ou ao cenário macroeconômico. Dilma havia sido eleita em 2010 e seria reconduzida ao cargo um ano depois. A economia ainda mostrava alguma força, mesmo que turbinada por um crédito artificial e pedaladas para fechar as contas públicas.

O que motivou aqueles protestos em 2013? Diversas reportagens da época mostravam que havia uma profusão de razões, mas nenhuma que se sobressaía. O mesmo fenômeno pode ser enxergado em Santiago nos últimos dias.

As mídias sociais tiveram papel preponderante na aglutinação de pessoas. São um ferramenta imbatível na hora de insuflar massas. O poder de atiçar raivas que estão adormecidas ou revoltas reprimidas é incalculável. E o protesto chileno, como o brasileiro de 6 anos atrás, utilizou a mundo digital para acender a chama e reunir várias insatisfações diferentes.

Falou-se muito que a origem dessas manifestações chilenas seriam movimentos de esquerda. Talvez. Mas, aqui no Brasil, as pessoas foram às ruas insufladas por movimentos com origem na direita, como o MBL. Por isso, talvez a ideologia de origem não tenha tanta importância. Não se tira um número tão elevado de pessoas de casa no Chile com bandeiras de esquerda radical. É preciso lembrar que este é o país mais conservador da América Latina.

O fato é que estamos tratando com uma geração — os chamados millennials — que não têm a paciência dos baby-boomers para resolver qualquer situação. Neste caso, um mandato de quatro anos, algo absolutamente normal em qualquer democracia do planeta, passa a ser um martírio para quem tem menos de 30 anos. Mesmo que seja totalmente palatável para aqueles com idade superior a 45 anos.

O tamanho desta falta de contentamento, qualquer que seja sua origem, é razoável. Afinal, o governo cancelou o aumento de passagens que motivou os levantes e ainda promulgou medidas econômicas de apelo popular, como o aumento de impostos aos mais ricos. Apesar disso, a onda de protestos continuou.

Isto é sinal de que o fenômeno deve ser estudado não apenas por economistas, mas também por cientistas sociais. O que está acontecendo no Chile e o que ocorreu no Brasil, seis anos atrás, pouco tem a ver com os conceitos de direita ou esquerda, keynesianismo ou liberalismo. É fruto de uma profunda mudança comportamento social, que começa a se manifestar e vai transformar o cenário político mais rápido do que imaginamos.

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