O escritor Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, foi um ícone dos anos 1960. Um dos cronistas mais mordazes de seu tempo, criou o Febeapá – o Festival de Besteiras que Assola o País, uma série de colunas que se transformou em dois livros concorridos, editados em 1966 e 1967. Algumas de suas frases poderiam ser escritas neste 1º de março de 2021. Não acredita? Vamos lá:
+ As crises políticas são tratadas de maneira tão sensacionalista pela imprensa brasileira que, se a gente estiver no estrangeiro, ao ler um jornal brasileiro tem a impressão de que, ao voltar, não encontrará mais o país.
+ Política tem esta desvantagem: de vez em quando o sujeito vai preso em nome da liberdade.
+ Há sujeitos tão inábeis que sua ausência preenche uma lacuna.
+ A dúvida dele não era a de que pudesse não ser um homem, mas a de que talvez nem chegasse a ser um rato.
+ A polícia anda dizendo que prende um bandido de meia em meia hora, então a gente fica desconfiado que eles assaltam de 15 em 15 minutos.
+ Difícil dizer o que incomoda mais, se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante.
+ Imbecil não tem tédio.
+ Ninguém se conforma de já ter sido.
+ Era desses caras que cruzam cabra com periscópio pra ver se conseguem um bode expiatório.
+ Consciência é como vesícula: a gente só se preocupa com ela quando dói.

Sérgio Porto morreu de ataque cardíaco em 1968 e não chegou a testemunhar a edição do AI-5. Mas foi um crítico afiado da ditadura militar, embora não fosse de esquerda e tivesse sérias restrições ao regime comunista. É dele, por exemplo, a seguinte máxima: “Capitalismo é a exploração do homem pelo homem. Socialismo é o contrário”.

Fico imaginando o terreno fértil que o cronista teria diante de si no Brasil da pandemia. Haveria matéria-prima para uma tonelada de artigos, que poderiam se alimentar de inúmeras e aparentemente infinitas fontes. Da falta de bom senso de uns. Da vaidade desenfreada de outros. Da insanidade que se manifesta em disfarçada racionalidade e embasada em sofismas criados a partir da ciência. Da insensibilidade que se instalou diante do drama alheio, seja ele econômico ou de saúde. Da falta total de empatia dos governantes, que apenas querem fazer valer o seu próprio ponto de vista.
Da incompetência que cerca algumas autoridades, festejadas por bajuladores sem espinha e interesseiros de plantão. Da grossura de alguns, que fazem pouco dos outros e tentam impor na base da violência suas opiniões rasteiras. Da hipocrisia que se instalou na sociedade, com pecadores invocando a religião e pessoas de bem sendo achincalhadas por canalhas. Do estupor dos religiosos de verdade ao enxergar oportunistas citando as escrituras indevidamente e com interesses escusos. Da vontade de trocar a tolerância pela belicosidade constante. Do apetite desenfreado por fake news, vindo de quem prefere turbinar suas opiniões com mentiras que não levam a nada e serão desmascaradas com o tempo. Do endeusamento da ignorância, que ocorre em uma era na qual o conhecimento está literalmente na ponta dos dedos de cada um de nós.
O Stanislaw Ponte Preta do século 21, sem dúvida, deixaria sua versão do século passado no chinelo. Sua pena ferina ganharia a agilidade do mundo digital, mas não perderia a ironia, o sarcasmo e a capacidade de cutucar a dissimulação alheia. Como ele mesmo dizia, “os valores morais são os únicos que conservam os preços de antigamente”.
Uma resposta
Execelente! Encontrei uma edição nova deste livro, pedi na Amazon. (Recomendação de livros seria ótimo não? Grande abs)