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China: uma aberração econômica keynesiana e mercantilista

O modelo econômico concentra privilégios àqueles ligados ao governo

Nota do Editor

Grupo Evergrande é a segunda maior incorporadora da China. Está localizada na província de Guangdong. Vende apartamentos majoritariamente para a classe média e para a alta classe média. Em 2018, ela se tornou a incorporadora com o maior valor de mercado do mundo.

Hoje, a empresa está à beira do colapso. Suas ações, que chegaram a valer HK$ 32 na bolsa de Hong Kong, hoje valem HK$ 2.

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Evolução das ações da Evergrande na bolsa de Hong Kong.

O roteiro é o mesmo de toda bolha imobiliária estimulada pelo governo: juros artificialmente baixos (controlados pelo estado) fizeram com que várias pessoas se endividassem para comprar imóveis. 

Ato contínuo, a incorporadora saiu construindo prédios a rodo.

Com o tempo, as pessoas se deram conta de que não conseguiriam honrar suas dívidas e começaram a dar calotes. O mercado imobiliário desaqueceu. 

Consequentemente, os prédios construídos pela Evergrande desabaram em valor de mercado, ao mesmo tempo em que os custos de construção aumentaram, devido à grande demanda por materiais.

O passivo da empresa (dívidas com bancos e com empreiteiros e fornecedores, além de compradores que pagaram antecipadamente por apartamentos inacabados) ficou muito maior que seus ativos (receitas de venda e imóveis).

No total, a incorporadora chinesa tem uma dívida superior a US$ 300 bilhões, sendo uma das empresas mais endividadas do mundo.

Em caso de calote generalizado, o sistema bancário chinês estará em sério risco. Os grandes bancos chineses já foram alertados que, a partir de 20 de setembro, a incorporadora não mais irá conseguir rolar suas dívidas.

Semana passada, viralizou nas redes sociais um vídeo em que nada menos que 15 prédios residenciais chineses são demolidos. Estavam há anos inacabados e vazios (pois os custos de construção ficaram maiores que as eventuais receitas de venda). Uma perfeita ilustração de como acabam todas as bolhas imobiliárias.

Fernando Ulrich, com seu didatismo costumeiro, explica a situação da Evergrande em mais detalhes.

Já o artigo abaixo, originalmente publicado em agosto de 2017, já apontava, via evidências empíricas, que o setor imobiliário chinês era uma ficção insustentável. 

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Recentemente, passei duas semanas viajando pela China. Trata-se de um país de enormes contrastes: o velho e o novo, a pobreza e a riqueza, o tradicional e o moderno, o Ocidente e o Oriente.

Embora tenha sido uma estranha experiência repleta de várias impressões, o que realmente mais chama a atenção é o óbvio e contraditório contraste econômico entre a riqueza e o desperdício.

Nas grandes cidades, localizadas nas zonas de desenvolvimento econômico, o cenário é de enormes arranha-céus comerciais ao lado de grandes complexos de prédios residenciais de pelo menos 30 andares. Estes complexos residenciais são agrupados em dúzias de edifícios enormes e idênticos. Há situações em que estes complexos residenciais estão localizados nos subúrbios, para facilitar a expansão das cidades. Em outras, estão ali apenas para alterar os padrões de locomoção das pessoas de acordo com o plano piloto (feito por burocratas) daquela cidade.

O aglomerado de arranha-céus é salpicado por um impressionante número de guindastes operando nas várias áreas de construção da cidade, os quais produzem apartamentos residenciais e arranha-céus comerciais a uma velocidade impressionante. As cidades vão se expandindo e invadindo a zona rural, devorando as redondezas como um enxame de gafanhotos.

O cenário é um de produção intensa; uma sociedade vivenciando um enorme crescimento econômico e uma grande criação de riqueza.

O que a noite revela

Porém, o cair da noite revela um cenário bastante diferente nestas mesmas cidades em expansão. Embora o pôr do sol faça com que as torres com os guindastes se destaquem ainda mais, é gritante a ausência daquele sinal mais básico da civilização: a iluminação artificial. A maioria destes edifícios já finalizados se transforma em meras silhuetas contra o pôr do sol. E, à noite, são tão escuros quanto o tronco de uma árvore morta.

Se você ficar parado no meio de uma metrópole, poderá observar os arranha-céus de metal e vidro envoltos por luzes de néon, como é de se esperar. Porém, em meio a estes arranha-céus, verá vários edifícios totalmente escuros e vazios — e completamente mortos. E não são edifícios recém-construídos, que apenas estariam esperando a mudança de novos moradores; são edifícios completamente desabitados e que nunca foram usados.

Trata-se de um perfeito exemplo de destruição de capital e de desperdício de recursos escassos, os quais agora estão imobilizados em algo que não é usado e que não está gerando renda e riqueza para ninguém. Tais construções são um monumento ao erro econômico. O contraste é, ao mesmo tempo, enigmático e assustador, e nos revela algo de importante sobre a natureza do recente milagre econômico chinês: ele é fundamentalmente falso e sem solidez.

Para começar, por que tantos prédios vazios? Simples.

Os chineses poupam mais da metade de sua renda. Mais ainda: os 10% mais ricos da população poupam acima de dois terços da sua renda. Mas esse dinheiro poupado não vai para ações. Apenas 7% dos investidores urbanos detêm ações. E metade desses que detêm ações não investiram mais do que US$ 15 mil. Com efeito, estima-se que os chineses colocam apenas 15% de seus ativos na bolsa — e tal estimativa talvez ainda esteja exagerada.

Para onde, então, vai toda essa poupança? Exato, é investida no mercado imobiliário.

A porcentagem de famílias chinesas proprietárias de imóveis chega a 90%. Para efeitos comparativos, nos EUA, essa taxa é de apenas 64%, mesmo com os americanos sendo muito mais ricos que os chineses e, consequentemente, com uma melhor capacidade de receber crédito.

E é assim porque, na China, ser dono do próprio imóvel é uma característica inerente à cultura deles. Um homem chinês não terá nenhuma chance de arrumar uma namorada ou mesmo de usufruir um rápido encontro sexual caso ele não seja o proprietário de um imóvel — não importa o quão pequeno seja o imóvel.

Daí o fervor com que o estado financia construções.

O gráfico abaixo mostra a porcentagem que os imóveis representam da riqueza total da população americana e da população chinesa.

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Ou seja, 74,7% das riquezas das famílias chinesas estão na forma de imóveis. Nos EUA, essa cifra é de 27,9%. Isso ajuda a explicar por que a bolha imobiliária chinesa é uma das maiores da história moderna.

Mas a questão principal é essa: quando essa bolha estourar e os valores dos imóveis despencarem, isso irá causar uma inimaginável implosão na riqueza dos chineses. De uma só vez, 75% (três quartos) dos ativos das famílias chinesas serão destroçados.

Quão grande é essa bolha? Só em Xangai, os preços dos imóveis mais do que sextuplicaram desde 2000, aumentando 6,6 vezes.  Isso representa um aumento de 560%.

Só que, atualmente, 27% dos imóveis chineses em áreas urbanas estão desabitados.

Mas os imóveis não representam toda a má alocação de recursos da economia chinesa. Com efeito, representam apenas uma fatia dela. Houve maciços e esbanjadores projetos de construção em toda a China, os quais envolveram a construção de basicamente qualquer coisa que você seja capaz de imaginar.  Como explicado neste artigo:

Durante um período de apenas dois anos, 2011 e 2012, o qual representou o ápice da tão aclamada “agressiva política de estímulos” do governo chinês em resposta à recessão do mundo desenvolvido, a China consumiu mais cimento do que os EUA consumiram durante todo o século XX!

Esse fato insano tem de ser corretamente digerido.  Eis uma maneira de colocar as coisas em suas devidas proporções.

Pense em todo o processo de urbanização ocorrido nos EUA ao longo dos últimos 100 anos.  Pense na construção de todos os edifícios comerciais, de todos os prédios residenciais, de todas as casas, de todos os arranha-céus, e de todos os shoppings que adornam as milhares de cidades americanas da costa leste à oeste.  Pense também na construção de toda a infraestrutura do país, desde as simples ruas e avenidas das cidades até as grandiosas represas Hoover, TVA e Grande Coulee, passando por toda a malha de rodovias, aeroportos, portos, rodoviárias, estações de trem, de metrô.  Pense em todos os estádios de futebol americano, de beisebol, de basquete, de hóquei; em todos os auditórios e estacionamentos que já foram construídos no país. 

Todo o volume de cimento gasto nesse processo de 100 anos foi o mesmo que a China gastou em dois anos.

Ou seja, a economia chinesa se baseia, de maneira explícita, em projetos criados e financiados pelo estado (via subsídios diretos ou crédito barato fornecido por bancos estatais), como é o caso de todos os edifícios e obras públicas. Provavelmente não seria um grande exagero dizer que a economia chinesa é um projeto keynesiano de criação de empregos artificiais em larga (escandalosa) escala. Tais projetos estão tão longe de uma genuína criação de valor quanto qualquer empreendimento de cunho keynesiano.

Furos e megalomania

O declínio da China já está se tornando mais óbvio se você olhar para os lugares certos. A atividade industrial já apresenta uma queda significativa naqueles setores que fornecem a matéria-prima para toda essa atividade construtora, como os de aço e cobre. Instalações que, até 2014, funcionavam a pleno vapor, com três turnos, hoje mal conseguem manter um único turno. Na maioria delas, há empregados completamente ociosos que estão ali apenas para coletar seus salários. Eles não são demitidos porque, se a empresa fizer isso, irá enfurecer o líder local do Partido Comunista, o qual poderá cortar subsídios e até mesmo punir o empresário.

Ao mesmo tempo em que os arranha-céus emergem, as pessoas se aglomeram em favelas à sombra destes mesmos arranha-céus. Do topo de um hotel de luxo construído exclusivamente para executivos ocidentais, a vista é um tanto sombria em cidades como Hangzhou ou Wuxi. Tudo é uma fachada. Ao passo que as principais ruas das cidades são iluminadas e vibrantes, com inúmeros comércios, ao redor delas há um sem número de favelas totalmente às escuras já por volta de 8 da noite de um sábado. Desta mesma vista do topo do hotel é fácil identificar os trechos da cidade que os planejadores centrais querem que os turistas estrangeiros utilizem: são aqueles únicos que possuem iluminação em meio a todo o resto escuro da cidade.

O tão falado projeto do ‘novo cinturão chinês’, chamado de “Um cinturão, uma estrada” — um projeto do governo chinês que busca, por meio de ferrovias, portos e rodovias, recriar caminhos milenares que conectavam o Ocidente e o Oriente — nada mais é do que tudo isso em escala internacional. O objetivo do projeto é recriar a rota da seda com uma infraestrutura moderna, ligando o extremo oriente à Europa via terra e água. O projeto consiste em várias obras de infraestrutura em aproximadamente 60 países, e recorre a acordos comerciais para alavancá-lo. Na prática, trata-se de um grande projeto político. Ele é planejado pelo estado, financiado pelo estado e executado por empreiteiras ligadas ao estado. A intenção do projeto, ao menos durante sua fase de construção, é criar obras para empresas chinesas no exterior, garantindo empregos e receitas. Trata-se de algo baseado exclusivamente em planejamento central, e não em reais demandas de mercado.

Como bem resumiu o economista David Stockman,a China é uma aberração cujo modelo econômico simplesmente não tem semelhança a nenhum outro modelo econômico já adotado por algum outro país em algum momento da história (nem mesmo ao modelo mercantilista de estímulo às exportações originalmente criado pelo Japão, e que já se comprovou insustentável). A economia chinesa é hoje uma mistura maluca de empreendedorismo de livre mercado em algumas áreas, de investimentos subsidiados e dirigidos pelo governo, de mercantilismo keynesiano, e de planejamento central comunista. Quando entrar em colapso, não será bonito.

Conclusão

O que a China nos ensina sobre economia e política econômica é aquela lição que quase nunca é fornecida nas salas de aula: é de crucial importância distinguir entre uma produção voltada para a criação de valor e uma produção que apenas consome e destrói capital.

A história do desenvolvimento econômico da China é, majoritariamente, uma história de crescimento insustentável e centralmente planejado, o qual mira apenas os números do PIB. Há uma visível falta de criação de valor, de acumulação de capital e de empreendedorismo voltado à satisfação das necessidades da população.

A produção cria empregos mesmo quando aquilo que é produzido são obras de infraestrutura esbanjadoras e irracionais, cidades fantasmas e prédios vazios em cidades desabitadas (veja vídeos sobre isso aqui). Só que tais empregos só existirão enquanto as obras durarem — isto é, enquanto ainda houver capital disponível para ser destruído, domesticamente ou atraído do exterior.

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Per Bylund

Publicado em: https://cutt.ly/tErFhq9

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