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As minorias nada silenciosas

Já faz algum tempo que as vozes conservadoras do planeta dizem que certas bandeiras politicamente corretas têm origem em minorias engajadas e bastante barulhentas. Devido a uma militância rumorosa, estas ideias ganham as redes sociais e a imprensa, parecendo ser maiores do que na verdade são.

Embora esse raciocínio possa ter um fundo de verdade, há igualmente minorias conservadoras que cultivam crenças que desafiam a maioria da sociedade. As estatísticas, coletadas em diversas pesquisas, mostram grupos pequenos com convicções que desafiam o senso comum. Porém, nem todos os membros dessas congregações são adeptos incondicionais das teorias da conspiração. Há pessoas inteligentes entre aquelas que não aceitam a versão majoritária dos fatos e procuram cenários alternativos. Alguns deles, assim, buscam abrigo em certezas que desafiam o senso comum por curiosidade, inconformismo intelectual ou qualquer outra razão.

Alguns exemplos: 15 % dos brasileiros não querem ser vacinados contra a Covid-19. Cerca de 10% de nossos conterrâneos acreditam ser a ditadura um regime político aceitável. Ainda no Brasil, 7 % acreditam que a Terra é plana.

Esses tópicos seriam reflexo da sociedade de um país subdesenvolvido?

Vamos visitar algumas estatísticas observadas nos Estados Unidos. Um em cada dez americanos acha que o homem não foi à Lua em 1969 e que o feito de Louis Armstrong e seus colegas não passou de uma farsa encenada pela televisão. Cerca de 10 % dos habitantes da terra de Tio Sam acreditam que as “chemtrails” (os traços brancos no céu que são resultantes da queima de vapor pelas turbinas de aviões) são gases distribuídos na atmosfera com inúmeros propósitos – controlar as mentes da população é um deles. Por fim, um quarto da população americana crê que (5 % dos quais com convicção absoluta) a pandemia foi planejada por alguém (chineses, bilionários pedófilos ou até mesmo alienígenas).

Ir contra a maioria não é pecado algum. Muitos, inclusive, estão certos em agir dessa forma. Ativistas que marchavam contra o racismo nos anos 1960, nos EUA, são um exemplo. Aqueles que lutaram contra o Nazismo na década de 1930 também. O mesmo se pode dizer de quem, no Brasil, levantava a bandeira contra a corrupção no início da década de 2000, quando esse assunto estava no radar de poucas pessoas.

Mas há casos em que precisamos procurar entender o que se passa na cabeça de um grupo razoável de pessoas para cultivar uma ideia que parece não ter sentido. Vamos usar como exemplo a tese esdrúxula de que a Terra é plana. Estamos falando de um contingente superior a 15 milhões de pessoas, tomando como base uma população de 218 milhões de brasileiros. É como se somássemos toda a população da cidade de São Paulo e de Brasília: trata-se de gente que não acaba mais.  

As mudanças ocorridas em nosso mundo, especialmente de 15 anos para cá, são enormes. Nossa vida, hoje, pouco tem a ver com aquela que desfrutávamos no inícios dos anos 2000. A falta de previsibilidade gera desconforto e, em casos extremos, faz com que algumas pessoas busquem refúgio em esclarecimentos nada comuns para desvendar certos aspectos da vida moderna. Esse comportamento também se explica pela sensação de perda que as mudanças bruscas provocam no ser humano. Diante de uma sensação de vazio, a frustração leva certos indivíduos a abraçar certas teses que são refutadas pela maioria da sociedade.

Essas teses acabam criando um espírito de corpo entre os que sentem um desconforto quase que irrecuperável. Não deixa de ser um paradoxo: a mesma tecnologia que criou o incômodo entre essas criaturas é aquela que as une através das redes sociais, criando a massa que se torna representativa em números absolutos, embora pequena em percentuais sobre o todo.

Essas minorias barulhentas conservadoras têm algo em comum com os grupos politicamente corretos. Ambos enxergam o mundo através de filtros particulares, que são compartilhados entre seus membros.

Em 2007, lancei um romance chamado “O Jornalista, o Escritor e o Aviador”, que tem como personagem principal um repórter que estuda uma eventual amizade entre Júlio Verne e Santos Dumont no início do século 20. Numa passagem deste livro, o jornalista está sentado em uma cafeteria e pensando sobre como havia tratado mal seu melhor amigo. Ele, então, divaga o seguinte: “Cheguei à conclusão de que as pessoas utilizavam seu maior ativo para julgar os outros. Os bonitos separavam os bons dos ruins por meio da beleza. Feios de um lado, belos de outro. Os intelectuais dividiam o mundo entre ignorantes e informados. Ou burros e inteligentes. Os ricos tinham um método mais simples: os piores eram os pobres. Já os magros usavam o grau de adiposidade para julgar a humanidade”.

Catorze anos atrás, como este personagem, também achava que as pessoas poderiam ser julgadas de uma forma simples: esquerda ou direita, rico ou pobre, religioso ou ateu. A sociedade, no entanto, se tornou muito mais complicada e passou a abrigar perfis com alta dose de complexidade. Assim, uma análise das pessoas, que era, digamos, binária passou a ser tridimensional. Hoje, muitas pessoas são difíceis de ser analisadas, tamanha a diversidade de filtros que podem ser utilizados.

Aqueles que se fixam em teorias da conspiração ou em teses desprezadas pela maioria da população têm a tendência de utilizar menos filtros para entender os fenômenos da atualidade – ou visualizar o mundo através de uma lógica mais simples. Isso não os faz pessoas melhores ou piores. Mas, sem dúvida, os transformam em alvos constantes do julgamento alheio. Ou, então, centro de discussões apaixonadas e intermináveis. Você quer defender suas convicções com unhas e dentes? Saiba, antes, que há consequências para isso. E que um pouco de empatia não faz mal a ninguém, especialmente no mundo de hoje, quando as redes sociais vivem em estado constante de cancelamento. Portanto, lembre-se daquele provérbio que todos já ouvimos uma vez na vida: o que prefere? Ser feliz ou ter razão?

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