Desde pequeno, escuto uma frase: “São Paulo não pode parar”. Na semana que vem, contudo, a locomotiva da economia brasileira, que já está em marcha lenta, pode pisar definitivamente no freio. Tanto o governador João Doria como o prefeito Bruno Covas avisaram que poderão tomar medidas mais fortes de contenção para impedir a circulação de pessoas na cidade.
O que motivou isso? Primeiro, uma desobediência velada às regras de isolamento social. Para que a quarentena funcione, o governador Doria pondera que é preciso uma redução de 70 % na circulação dos habitantes de uma localidade. Estudo recente, no entanto, mostrou que esse índice chegou, na 48,1 % no estado, o que pode ser preocupante. Especialistas ouvidos pela imprensa, por outro lado, afirmam que uma queda de 50 % já seria suficiente para obter os resultados desejados.
Este é o chamado momento da verdade. Nos próximos dias, espera-se uma aceleração dos casos de contágio, com auge nos últimos dias de abril. O número de mortes deverá acompanhar essa tendência. Se essas previsões estiverem certas, a politização do coronavírus deverá ser substituída pelo pragmatismo puro e simples.
Por enquanto, os governadores estão seguindo os protocolos da OMS, que não explicam alguns fenômenos da pandemia no Brasil. A curva de expansão é agressivamente alta, seguindo o desenho dos demais países, mas os números são bem mais comedidos. Qual a razão? Há várias tentativas de explicação e nenhuma é convincente.
Nos próximos dias, entretanto, aqueles que quiseram impor seus pontos de vista por conta da política serão desmascarados. A primeira vítima do processo deve ser o ex-ministro Osmar Terra, que afirmou na semana passada a gripe sazonal ser bem mais letal que o coronavírus. Já temos mais de 1 000 vítimas da pandemia no Brasil e a gripe comum ceifou as vidas de 1 200 pessoas em 2019. Ou seja, neste ritmo, teremos em cerca de um mês mais mortes sob o corona que o total de falecimentos de influenza e H1N1 no decorrer de um ano inteiro – contrariando frontalmente a bravata de Terra.
O governador Doria, que antagonizou com o presidente Jair Bolsonaro uma discussão sobre os métodos de combate à epidemia, começa a sentir os efeitos da super exposição nos meios de comunicação. Já enfrenta críticas nas redes sociais até por razões infundadas. Um exemplo disso é o uso de informações de telefones celulares para monitorar aglomerações. Doria foi acusado de querer romper a privacidade dos usuários de telefonia. Só que as operadoras vão passar dados anônimos ao Governo do Estado, sem a identificação dos portadores de celulares.
A exposição excessiva do governador, a partir de agora, vira uma jogada política arriscada. Doria precisa mesmo coordenar pessoalmente todas as coletivas diárias que versam sobre o avanço da pandemia? Não seria hora de se expor menos? Essa pandemia se espalhou muito rápido por várias razões, mas uma tem importância em particular: ninguém possui informações cem por cento corretas sobre os procedimentos na guerra contra o vírus. É um perigo se afirmar qualquer coisa com assertividade nessa hora. Ou se deixar levar pela emoção no meio de uma entrevista. Ninguém entendeu, por exemplo, a declaração de Doria na qual afirmou David Uip ter sido o pai da ideia de se utilizar a cloroquina como protocolo para se buscar a cura da doença. Com os ânimos da população acirrados, o governador – um nome forte para a disputa presidencial em 2022 – pode ter feito da limonada um limão. E angariando antipatias até onde havia torcida a favor. Talvez seja hora de fazer um recuo estratégico e maneirar na exposição pública. É para isso que existem assessores e secretários.