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O dia em que entrevistei John Kenneth Galbraith

Tinha apenas 25 anos quando fui promovido a editor de finanças da revista Exame – talvez o profissional mais jovem a ocupar um cargo de chefia na revista até aquele momento. Logo após essa promoção, a revista Imprensa fez um especial sobre os jornalistas que escreviam sobre o mercado financeiro e apareci na matéria. Me perguntaram como eu tinha me interessado por economia e respondi que isso tinha acontecido quando havia lido alguns livros de John Kenneth Galbraith na adolescência, começando por um exemplar de “A Sociedade Afluente”, seguido por “A Era da Incerteza”.

Coincidentemente, na mesma semana em que essa revista foi lançada, meus chefes receberam da HSM uma sondagem: Galbraith viria ao Brasil para dar uma série de palestras. Por acaso a Exame não teria interesse de mandar um jornalista entrevistar o economista antecipadamente?

Meus chefes aceitaram a proposta e lembraram, obviamente, da minha menção ao economista canadense na matéria sobre jornalistas de finanças. Juntaram lé com cré e me mandaram para Cambridge, cidadezinha ao lado de Boston, para entrevistar o autor de “O Colapso da Bolsa”, que naquela época lecionava em Harvard.

Em Boston, peguei um táxi e cheguei a uma casa de tijolinhos, bem perto da universidade, e com um Saab bordô na garagem. Toquei a campainha e uma senhora simpaticíssima, que era sua esposa, veio me receber e me levou a uma entrada que dava para um corredor. No final, havia uma porta já aberta e, aboletado em uma poltrona, lá estava ele. Vestido em um terno branco com listas azuis, ele começou a se levantar. E continuou. E continuou. O homem media mais de 2 metros e isso me espantou.

Ele percebeu o meu espanto e brincou com sua própria altura. “Deveria ter sido jogador de basquete, não?”.

Antes de ligar o gravador, vi uma placa ao lado dele: “First Galbraith law: modesty is an overrated virtue” (“Primeira lei de Galbraith: a modéstia é uma virtude superestimada”). Ele percebeu o meu olhar em direção àquele quadrinho e começou a falar. Pensei, por dois segundos, que estava entrevistando um dos gurus econômicos que John F. Kennedy, e aquilo me tocou. Galbraith percebeu que a minha cabeça tinha ficado longe e me perguntou: “Do you follow me?”. Assenti e fomos em frente.

Na minha juventude, ainda não tinha mergulhado na rivalidade entre keynesianos (escola do meu entrevistado) e liberais. Tinha, naquele momento, uma missão: ouvir suas ideias para o Brasil. E uma delas era algo esquisito para um professor de Harvard: congelar preços e salários para cortar a inércia da inflação. Ponderei, durante a entrevista, que essa solução tinha sido tentada em 1986 sem sucesso. Sua resposta: o congelamento tinha de ser acompanhado por uma política restritiva de gastos públicos (e privatizações) para diminuir o déficit estatal e duraria pouco tempo, apenas para dar um choque psicológico na população.

Discutimos durante uma hora e meia a economia brasileira e saí daquela casinha de tijolos com uma reportagem de capa. Além disso, fiquei impressionado com a personalidade divertida daquele homenzarrão que tinha sido testemunha ocular da história americana. Com a eleição de Kennedy, ele foi nomeado embaixador na Índia. Foi chamado, depois de algum tempo, para uma audiência no Senado, em uma comissão sobre gastos nas embaixadas. Foi inquirido por um parlamentar. Ele acusava Galbraith de viver como um marajá. “Isso não é verdade”, retorquiu. “Eu vivo muito melhor que um marajá”.

Tinha uma língua ferina e era daqueles que perdia o amigo, mas não a piada. Nos anos 1970, Jacqueline Kennedy Onassis foi fotografada nua por um paparazzo que ficou dias em um pequeno bote no mar em frente à Ilha de Skorpios, onde ela passava o verão. Munido de uma objetiva, o fotógrafo conseguiu registrar a nudez da ex-primeira-dama americana e as fotos rodaram o mundo. Depois de alguns meses, Gailbraith a encontrou em Nova York. E disparou: “Hi, Jackie, nice to see you… dressed” (“Olá, Jackie, que bom vê-la… vestida”). Há pessoas que atribuem essa frase a Truman Capote. Mas, quando eu perguntei a ele sobre esse episódio, o velho economista sorriu e disse: “Todas as histórias que contam a meu respeito são verdadeiras”.

Apesar de discordar de boa parte do seu trabalho, reconheço que ele tinha uma característica que admiro nas pessoas – o amor pela vida, acompanhado de uma curiosidade inesgotável. Depois que o gravador foi desligado, me perguntou onde vivia no Brasil. Ao saber que era na cidade de São Paulo, fez perguntas específicas sobre a criação do bairro do Morumbi e sobre o Parque do Ibirapuera. Depois de suas palestras, fez vários passeios pela capital paulista e foi à Amazônia.

Sobre a metrópole paulistana, escreveu o seguinte: “Da última vez que estivemos aqui, São Paulo se parecia com Los Angeles. Agora assemelha-se a uma perpétua Manhattan, embora os arranha-céus não sejam tão densamente compactos; aqui eles parecem erguer-se aleatoriamente por sobre a paisagem urbana, dando a aparência de canteiro cultivado de aspargos. Todos os prédios são essencialmente iguais – um bloco retangular com fileiras contínuas de janelas nas duas faces mais largas e paredes nuas nas outras. Numa malsucedida tentativa de se diferenciar, os caixilhos e as venezianas das janelas são pintados de cores diferentes”.

Talvez esse texto mostre que, além de jogador de basquete, Galbraith poderia tranquilamente ser um grande arquiteto ou urbanista. Curiosidade para isso não faltava em sua personalidade.

Foto publicada no editorial da revista Exame de 20/09/1989

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