Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Carismático e líder político mais popular do país para alguns, exemplo maior da corrupção que assolou o Brasil nos últimos anos para outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sua prisão decretada nesta quinta-feira, 38 anos depois de ter sido detido por enfrentar a ditadura militar com uma grande greve de metalúrgicos.
O tempo passou para o ex-metalúrgico de 72 anos, mas não a garra e o apreço pelo confronto. Dias antes da decretação da prisão, interlocutores próximos afirmavam que Lula mantinha a serenidade. Mais que isso, dizia que não iria aceitar tornozeleira eletrônica ou prisão domiciliar. “Se é para ser preso, que seja de verdade”, tem afirmado o ex-presidente.
Presidente que deixou o cargo com os mais altos níveis de aprovação e popularidade, Lula enfrentou nos últimos anos um calvário de acusações que culminaram, por ora, na condenação a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido um apartamento tríplex no Guarujá (SP) da empreiteira OAS em troca de benefícios à empresa.
Agora, após a rejeição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa do petista, o juiz Sérgio Moro determinou que o petista se apresente até as 17h de sexta-feira na Polícia Federal de Curitiba.
Lula ainda é réu em outros seis processos, dois deles –um sobre o sítio em Atibaia, outro que investiga a suposta doação de imóveis para o Instituto Lula pela Odebrecht– estão em Curitiba, com o juiz Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância no caso do tríplex. Outros quatro na Justiça Federal de Brasília.
“Com tudo que aconteceu e está acontecendo, Lula se recuperou antes do PT. Lula sempre foi maior do que o PT, mas hoje ele é muito mais que o PT”, disse à Reuters uma fonte de alto escalão do partido.
Mesmo abatido pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff e as seguidas derrotas judiciais, sem contar o lado pessoal com a perda da segunda mulher, Marisa Letícia, Lula, na prática, continua a comandar o PT. Fontes próximas ao ex-presidente ouvidas pela Reuters contam que ele acompanha cada passo do partido, as eleições estaduais, cada candidatura.
Mais magro de quando estava na Presidência, Lula se gaba de acordar todos os dias cedo para fazer ginástica.
“Estejam certos de que o Lula de hoje, embora mais velho está muito mais motivado. Levanto todo dia 5h da manhã, faço duas horas de ginástica todo dia e estou cheio de energia”, disse em discurso na cidade de Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, durante caravana no Sul do país.
RUMO AO PALÁCIO DO PLANALTO
Nascido em Caetés, na época distrito de Garanhuns (PE), Lula tem uma biografia contada e recontada como parte do folclore político brasileiro. Aos 7 anos, acompanhado da mãe, Lindu, e de sete irmãos, enfrentou 13 dias em um pau-de-arara, caminhão de transporte precário e irregular, até chegar a São Paulo para a família tentar uma vida melhor.
Aos 14 anos vai trabalhar na antiga fábrica de parafusos Marte e surge a oportunidade de se inscrever num curso profissionalizante no Senai. De lá, foi trabalhar na Metalúrgica Independência, onde perdeu o dedo mínimo em um acidente de trabalho aos 18 anos.
Começou a carreira de líder sindical como suplente na diretoria do sindicato dos metalúrgicos do ABC Paulista.
Em plena ditadura militar, Lula comandou greves, negociou com patrões e com a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sendo preso pela primeira vez em 1980, por “incitação à desordem”. Chegou a ser condenado a 2 anos de prisão, mas foi inocentado na segunda instância –ao contrário do que aconteceu agora.
O ex-presidente tentou a via eleitoral pela primeira vez em 1982, dois anos depois da criação do PT, ao concorrer para governador do Estado de São Paulo. Na ocasião, incorporou Lula ao Luiz Inácio da Silva.
Bem antes das urnas eletrônicas, as cédulas de votação em papel não traziam o nome dos candidatos. Muito conhecido pelo apelido, o petista queria que os votos que mencionassem apenas Lula fossem validados. Terminou em quarto lugar, obtendo cerca de 10 por cento dos votos.
Depois de uma ativa participação na campanha pelas eleições diretas para presidente da República, foi o deputado federal constituinte mais votado do país em 1986.
Por três vezes tentou e chegou apenas em segundo lugar antes de ser eleito presidente pela primeira vez em 2002, quando finalmente amainou o discurso radical de esquerda, afagou a elite econômica do país e aceitou alianças ao “centro”.
O “Lulinha Paz e Amor” que surgiu naquela eleição, perdurou durante todo o governo. A habilidade de negociar, surgida nas greves e nas rodadas de negociação com empresários, foram desenvolvidas ao longo dos anos no comando do Partido dos Trabalhadores e usadas com afinco em seus oito anos de governo, em que conseguiu juntar partidos como PP e PCdoB na mesma mesa.
Favorecendo o diálogo sobre o confronto –com sua voz grave rouca sendo compensada pelo abundante carisma–, ele persuadiu repetidas vezes opositores políticos, importantes empresários, líderes estrangeiros e os eleitores.
“Lula podia até não gostar da gente, mas a gente saía da sala tendo certeza que ele era nosso melhor amigo”, disse certa vez o senador Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo Temer no Senado e que ocupou a mesma posição no governo Lula. Jucá, no caso, comparava a ex-presidente Dilma Rousseff, tida como irascível, com a capacidade de Lula em agregar políticos de todos os matizes.
O presidente que saiu do poder com 87 por cento de aprovação –um recorde no país– e elegeu como sua sucessora uma mulher, petista, pouco afeita à política e que nunca havia concorrido a um cargo eletivo, hoje ainda detém o quase milagre de ter mais de 30 por cento de intenções de voto em um país dividido, em que parte da população credita a ele, e ao PT, toda a corrupção nos últimos anos.
“Ele está sereno. Eu acho impressionante a tranquilidade que ele lida com as coisas. Ele continua trabalhando como se nada estivesse acontecendo, mesmo admitindo que pode ser preso a qualquer momento”, disse outra fonte petista próxima ao presidente há alguns dias.
RESISTIR ATÉ O FIM
Foi Lula quem autorizou o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad a ter conversas com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência pelo PDT, em uma sondagem sobre uma eventual frente de esquerda.
O ex-presidente, no entanto, não pretende desistir de tentar ser presidente novamente até o dia 15 de agosto, quando se registram as candidaturas e o Tribunal Superior Eleitoral deverá impugnar sua candidatura com base na Lei da Ficha Limpa, que impede a quem for condenado em segunda instância de concorrer.
Dentro do PT, levar a candidatura de Lula até o limite é visto como uma tentativa de resistência política.
Nas últimas semanas, o ex-presidente percorreu a região Sul, um dos lugares do país em que encontra mais resistência à sua presença, apesar de ainda lotar praças e universidades com gente disposta a ouvi-lo falar. E ele falou. Por dezenas de vezes.
“A única razão pela qual eu quero ser candidato é que eu tenho certeza que eu posso consertar de novo esse país”, declarou.