A poetisa Anayde Beiriz (imagem) era uma mulher à frente de seu tempo. Participava dos saraus literários realizados na Paraíba, na década de 1920, e defendia o voto feminino em uma época em que só os homens eram eleitores. Chamava atenção pela aparência: vestia-se com decotes ousados e tinha o cabelo cortado à lá garçonne, como Hedy Lammar e Louise Brooks, estrelas do cinema mudo. Seus olhos pretos eram marcantes e inspiraram um apelido entre os intelectuais paraibanos: a pantera de olhos dormentes. O que parecia audácia para aqueles tempos, no entanto, seria considerado algo ingênuo nos dias de hoje.
Ela começou um relacionamento amoroso com o jornalista João Dantas, que era inimigo político do governador João Pessoa (na época, esse cargo era chamado de “presidente estadual”). Os ânimos se acirraram a ponto de Pessoa mandar a polícia invadir um apartamento de Dantas, confiscando a correspondência entre o jornalista e a poetisa. Mais tarde, essas cartas seriam publicadas em um jornal local, expondo a intimidade do jornalista, que foi aconselhado a se mudar da Paraíba para a cidade de Olinda, em Pernambuco.
Algum tempo depois, Pessoa ocupava a vice-presidência na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, que enfrentava Julio Prestes, candidato à sucessão do paulista Washington Luís e apoiado pelo presidente. A candidatura de Prestes criou uma grande confusão, pois interrompera o acordo em que São Paulo e Minas Gerais iriam se revezar no comando do país. Washington Luís resolveu que outro paulista seria seu sucessor e iria enfrentar o mineiro Antonio Carlos Ribeiro de Andrada. Houve revolta por parte de Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, mas Prestes recolheu o apoio de muitos governadores espalhados pelo mapa. Andrada, porém, abdicou da disputa e entregou seu lugar a Getúlio Vargas, que colocou João Pessoa como seu vice. Getúlio perdeu para Prestes, mas iniciou uma campanha na qual propagava que as eleições tinham sido fraudadas.
Em meio a essa campanha que contestava a vitória do governador paulista, Pessoa visitou o Recife, onde visitou a confeitaria Gloria, um ponto frequentado pela elite local. Dantas, que morava em Olinda, foi até a cidade vizinha para emboscar seu adversário político. Entrou na confeitaria, acompanhado de um familiar, e despejou todo o tambor de balas de seu revólver em cima de Pessoa.
Esse assassinato, motivado por razões íntimas, foi utilizado politicamente por Vargas como o estopim do Movimento de 1930, que levaria o gaúcho a comandar uma ditadura de 15 anos no Brasil. E acabou também modificando para sempre dois símbolos paraibanos. A capital do estado, que se chamava Paraíba do Norte, teve seu nome mudado para João Pessoa. E a bandeira estadual passou a carregar as cores vermelha (de sangue) e preto (de luto) pela morte de seu líder político, além da palavra “nego” (do verbo “negar”, proferida quando ele rechaçou a candidatura de Júlio Prestes à presidência).
Como se pode ver, há várias formas de se contar a trajetória das eleições no Brasil, romanceadas ou não. De qualquer modo, o ano de 1930 é a transição de uma democracia (manipulada, é verdade) para uma ditadura. Tivemos muitos anos de arbítrio no século 20, se somarmos a era de Getúlio com a dos militares. Trata-se de algo que precisamos manter enterrado nos livros de história, pois a democracia – com todos os seus poréns – ainda é o melhor sistema político do mundo.
Por isso, amanhã, exerça esse direito que foi negado a milhões de pessoas entre 1930 e 1945 – e entre 1964 e 1985. Participe dessa oportunidade de escolher seus governantes e representantes. Vote.
P.S.: o que aconteceu com Dantas e Anayde? Dantas foi linchado em um presídio do Recife ainda em 1930 e Anayde morreu dias depois – de suposto suicídio por envenenamento. Um triste final para essa história de amor, que prenunciaria o terror imposto pela Ditadura Vargas nos anos seguintes.