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Renan posa de paladino na CPI: mais uma contradição brasileira

O Brasil é um país com um currículo pródigo em situações inusitadas. Nossa independência foi decretada pelo filho do imperador de Portugal, deixado na colônia para representar os interesses da família real. Seu filho e sucessor foi derrubado por um movimento republicano que desprezou a democracia e governou o país sem eleições até a instauração da chamada política café com leite. Neste período, de 1894 a 1930, os pleitos foram instituídos pela pressão da sociedade, que queria uma república democrática. Assim, houve eleições, mas o poder era revezado por paulistas e mineiros em eleições de cartas marcadas.

Durante a ditadura de Getúlio Vargas, que tinha mais a ver com o autoritarismo alemão do que com a democracia americana, o Brasil apoiou os aliados na Segunda Guerra Mundial. E, depois, Getúlio foi reconduzido ao poder pelo voto popular. O governo militar instituído em 1964 tinha como uma de suas missões arrumar uma economia devastada pela inflação e pela estagnação. Devolveram o poder aos civis, em 1985, com a dívida externa e os índices de preços em espiral de alta. Já na gestão Fernando Henrique Cardoso, um intelectual de esquerda promoveu o maior movimento de privatização que se tem notícia no Brasil. Por fim, só para ficar em alguns exemplos (a lista completa seria enorme), o Brasil viu Eduardo Cunha, um político cuja carreira tinha várias acusações de corrupção e atualmente é centro de uma confusão jurídica, ser aplaudido por aceitar o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Nessa galeria de episódios insólitos, temos mais um: o senador Renan Calheiros, um dos nomes mais criticados da política nacional, é o relator da CPI da Pandemia. Nesta condição, cabe a ele ser o algoz de um governo que se mostrou ineficaz no combate à Covid-19, com seus representantes muitas vezes se comportando de forma negacionista ou displicente em relação à maior crise sanitária dos últimos tempos. Renan assumiu o posto atirando. Seus primeiros movimentos mostram que ele vai atuar incansavelmente. “Não foi o acaso ou flagelo divino que nos trouxe a este quadro. Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados”, afirmou o senador.

Há quem veja em toda essa disposição uma grande dose de revanchismo, uma vez que Renan foi derrotado por Davi Alcolumbre na eleição para a presidência do Senado com o apoio explícito do Palácio do Planalto. Desde então, o senador se encastelou na oposição, mesmo em uma época na qual o governo desfrutava de alta popularidade. Agora, o político alagoano ganha destaque na imprensa em meio a uma tempestade perfeita para Jair Bolsonaro: reprovação em alta, volume insuficiente de vacinas na praça e críticas vindo até de antigos admiradores do governo.

Esse revanchismo, no entanto, não é dirigido apenas ao Executivo. Em seu discurso de pose na CPI, Renan aproveitou para cutucar até a Operação Lava-Jato, que o acusou de irregularidades. “Não somos discípulos de Deltan Dallagnol, nem de Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou power points contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha”, alfinetou. Para a sorte de Moro ou de Dallagnol, eles nada têm a ver com a pandemia. Caso contrário, iria sobrar para a dupla.

Assim como aconteceu com Eduardo Cunha em 2016 em relação a Dilma, caberá a Renan canalizar a voz de insatisfação de muitos brasileiros em relação ao governo Bolsonaro. Viveremos, daqui para frente, situações estapafúrdias. Muitos opositores do governo – especialmente aqueles que condenam o combate à pandemia – são também críticos de Renan. Será particularmente interessante ver a reação dessas pessoas quando, daqui para frente, lerem as declarações bombásticas do relator da CPI sobre eventuais malfeitos do governo para coibir a disseminação da Covid-19 em território nacional.

Será que esse grupo vai ecoar a voz de Renan neste embate envolvendo a pandemia?

Ainda é cedo para saber. Mas esse dilema é café-pequeno perto de outros que se passaram pela inusitada história política brasileira. Um deles envolve o líder comunista Luiz Carlos Prestes. Como se sabe, Getúlio Vargas deportou, a pedido dos nazistas, a alemã Olga Benário, grávida de Prestes, que seria levada a um campo de concentração e assassinada (a filha, Anita Leocádia, foi trazida ao Brasil após seu nascimento e amamentação). Ocorre que o Partido Comunista Brasileiro apoiou Vargas e sua legislação trabalhista ao final da ditadura do Estado Novo – orientação que foi seguida por Prestes após ser libertado da prisão em 1945. Como alguém teve estômago para apoiar politicamente o homem que mandou a mãe de sua filha à morte?

Há coisas que, mesmo com todo o esforço do mundo, são impossíveis de se explicar. Inclusive no Brasil.

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