Agenor de Araújo Neto foi um dos maiores poetas da música brasileira, apesar de se dedicar ao rock em vez do samba. Com um nome de batismo antiquado, ficou conhecido por seu apelido, Cazuza, e nos brindou com uma habilidade espetacular – a de resumir em uma única linha situações pelas quais todos passaram pelo menos uma vez na vida. Embora ele tenha uma obra mais voltada para os desencontros amorosos, seus versos podem ser adaptados para outros tipos de acontecimentos, especialmente os da vida política.
É o caso de uma de suas letras, a da canção “Maior Abandonado”. Há frases que parecem resumir com perfeição a relação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva com o Centrão. Apesar de contar com cinco ministros na Esplanada, os centristas não se comprometem a votar em toda as pautas defendidas pelo Planalto. Pelo contrário. Até agora, somente as pautas econômicas é que apresentaram algum resultado positivo. Mas outros temas, como a derrubada do veto de Lula à restrição das “saidinhas” dos presos, mostram a fragilidade deste acordo político. Mesmo sendo alvo de constante infidelidade, os governistas mantêm os centristas acastelados no poder.
Na prática, é como se o governo reconhecesse aos parlamentares do Centrão o que canta Cazuza em “Maior Abandonado”: “eu tô perdido, sem pai nem mãe”. Dentro deste contexto, os negociadores políticos do Planalto diriam: “migalhas dormidas do teu pão/ raspas e restos me interessam”. Ou então: “pequenas poções de ilusão/ mentiras sinceras me interessam”.
Há três fatores que tornam cada vez mais frágil o apoio do governo dentro do Congresso.
O primeiro é a popularidade decrescente de Lula e de sua administração. Deputados e senadores têm um forte senso de preservação política. Por que iriam seguir fielmente a orientação de um governo que está perdendo apoio popular?
Outro fator que interfere nesta relação e afasta os políticos do Centrão é a incompatibilidade ideológica entre os eleitores de seus deputados e os petistas. O eleitorado desses parlamentares possui perfil mais conservador e acompanha de perto as votações, pressionando para que as chamadas pautas progressistas sejam rejeitadas.
Por fim, temos o final de mandato dos presidentes da Câmara e do Senado, que desejam fazer seus sucessores. Para aglutinar votos, preferem liberar suas bancadas a defender as posições de Lula.
Diante disso, os líderes petistas no Congresso resolveram pedir às mesas diretoras que segurem a votação de alguns projetos que possam criar incompatibilidade entre Centrão e PT, privilegiando apenas as pautas econômicas ou administrativas.
Dessa forma, ganha-se tempo para que Lula tente costurar um novo acordo, que poderia ter como base uma reforma ministerial. O mais provável, porém, é que entremos em uma fase de banho-maria, aguardando que os novos comandantes parlamentares sejam eleitos – até porque as eleições municipais vão drenar energia de toda a classe política até o final de outubro.
Por isso, talvez o mestre Cazuza, do Além, possa, novamente, decifrar as relações entre Legislativo e Executivo através de suas letras – como nos versos de “Bete Balanço”: “O teu futuro é duvidoso /Eu vejo grana, eu vejo dor/ No paraíso perigoso/ Que a palma da tua mão mostrou”.