A guerra de narrativas que vimos em 2022 teve início quatro anos atrás, durante a campanha de 2018. Em março e abril daquele ano, dois acontecimentos monopolizaram o discurso da esquerda durante muito tempo nas redes sociais: o assassinato de Marielle Franco e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ocorre que Marielle era uma personalidade política regional, da cena carioca, e Lula ainda estava chamuscado pelas acusações de corrupção levantadas pela Operação Lava-Jato, que estava no auge de sua popularidade. Houve também uma preocupação especial em desconstruir a imagem do então candidato Jair Bolsonaro. Mas, naquele momento, o antipetismo estava em seu auge – e Bolsonaro capitalizou essa tendência como nenhum outro candidato.
Já na reta final da campanha, o PT tentou encontrar uma linha coerente de comunicação, mas não obteve sucesso, especialmente porque o eleitorado tinha na corrupção o tema mais importante daquele pleito. Os petistas, então, passaram o ano de 2019 alfinetando o governo quase que diariamente, mas não encontraram um fio condutor de grande apelo.
A grande chance viria com a pandemia de 2020.
Desde o início, Bolsonaro adotou um discurso negacionista e minimizou a letalidade do coronavírus, enquanto a população, temerosa, via o contágio crescer exponencialmente e provocar uma onda fortíssima de internações. O lockdown veio para evitar que o sistema de saúde entrasse em colapso e o presidente, preocupado com a economia, manifestou sua insatisfação em relação ao distanciamento social. Mas à frente, duvidou da eficácia das vacinas e foi extremamente insensível em diversos momentos críticos da pandemia, especialmente com o crescimento no número de mortes.
Foi dada a deixa para que a esquerda começasse seu processo de desconstrução. De um lado, era agressiva, chamando Bolsonaro de “genocida”. De outro, mostrava as tragédias provocadas pelo vírus, justapondo tragédias familiares e comentários sarcásticos do presidente.
Neste momento, os marqueteiros perceberam que havia uma oportunidade já vislumbrada durante a campanha de 2018: mirar no público feminino e nos jovens, sem dar ênfase à economia. A campanha municipal de 2020 foi reflexo dessa estratégia. Guilherme Boulos chegou em segundo lugar na corrida pela prefeitura de São Paulo com uma fórmula calcada na diversidade, proteção ambiental e respeito às escolhas individuais. Obteve grande votação junto aos mais jovens e conseguiu reduzir a percepção de que Boulos, até pouco tempo atrás, era líder de invasões de propriedade urbana.
Diante disso, os petistas perceberam que precisavam dos eleitores de centro para vencer em 2022 e que boa parte dessas pessoas estava descontente com a personalidade de Bolsonaro. Teve início, então, um trabalho de demolição da imagem do presidente – com forte ajuda dos meios de comunicação. Ainda na campanha de 2018, o então candidato criticou seguidamente a imprensa (Globo, em especial) e passou, inclusive, a atacar alguns/mas jornalistas pelo nome. Com essa atitude agressiva, os veículos e seus profissionais começaram a cobertura do novo governo com sangue nos olhos.
Por mais que houvesse má vontade por parte da imprensa, Bolsonaro colaborou de forma significativa para que sua imagem fosse atacada. Conforme ia agradando seus eleitores fiéis, suas frases e atitudes distanciavam-no dos centristas e moderados. Por isso, muitos analistas acham que o presidente perdeu primeiro para si mesmo – e, depois, para Lula.
Outro problema foi perder muito tempo falando mal dos adversários e não ressaltar boas realizações de seu governo. O discurso com tom negativo acaba provocando receio nos eleitores indecisos.
A esquerda usou todos esses ingredientes e, com a entrada do deputado André Janones no barco, mergulhou no mundo das fake news e das distorções (embora em um volume menor quando comparado à máquina bolsonarista). Foi o que faltava para dar um impulso a mais na campanha, em um movimento que lembrou muito o ataque feito à ex-ministra Marina Silva no passado.
O tom da comunicação bolsonarista, racional e um tanto amargo, funcionou em 2018, quando capturou o espírito daquele ano, balançado pela indignação levantada pela Lava-Jato. Quatro anos depois, porém, o eleitorado tinha mudado e parte dele havia se decepcionado com Bolsonaro.
Em vez de apostar em uma linguagem inclusiva e acolhedora, o presidente continuou com o discurso beligerante e contundente. Foi afastando o centro e praticamente o entregou de bandeja a Lula.
Isso pôde ser visto no crescimento expressivo do PT no interior paulista, que se refletiu na votação de Fernando Haddad. Normalmente, os candidatos petistas, quando passavam para o segundo turno paulista, ficavam emntre 30% e 41 % dos votos válidos. Desta vez, no entanto, Haddad obteve 44,7 %. Pode parecer um avanço tímido, mas é bom lembrar que o PT cresceu 35 % do primeiro para o segundo turno, saindo de 3,5 para 4,7 milhões de votos.
O que virá nos próximos meses? Qual será a próxima etapa da guerra de narrativas?
No início do ano, a nova oposição vai trabalhar para mostrar as agruras da Venezuela e as dificuldades econômicas criadas no governo peronista argentino – e, obviamente, vai tentar fazer uma comparação entre as atribulações desses países com o futuro do Brasil sob administração petista.
Para que isso funcione, no entanto, é preciso abandonar o tom cerebral e ácido. Esse tipo de comunicação funciona para manter os apoiadores unidos – mas dificilmente consegue capturar eleitores moderados. Além disso, é preciso uma atuação sensível em direção às mulheres e jovens. Sem sensibilizar esses grupos, a direita pode perder novamente em 2026, e dessa vez de uma forma fragorosa. O que pode evitar isso? Uma reedição dos erros vividos nas administrações de Lula e de Dilma Rousseff.
Isso pode ocorrer? Vai depender da composição dos ministérios, em especial o da Fazenda e do Planejamento. Por isso, façam suas apostas. Vai ser um início de governo eletrizante, pois será sacudido por protestos populares e um Congresso nada amistoso.