O jornal Folha de S. Paulo publicou ontem uma pesquisa sobre a popularidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e aproveitou para indagar aos entrevistados qual seria a sua orientação política. Os resultados obtidos foram bastante parecidos com os anotados em dezembro de 2022. Cerca de 25 % se declararam bolsonaristas e mais 7 % disseram ser mais próximos dessa corrente. Do outro lado da ribalta, 29 % afirmaram ser petistas e mais 10 % responderam que tinham maior identificação com o petismo. Na prática, temos um placar que mostra 32 % (seguidores de Jair Bolsonaro ou simpatizantes) contra 39 % (petistas e aliados).
O que encontramos no meio dessas correntes? São 20 % que se declaram neutros, mais 8 % que não seguem nenhuma dessas duas lideranças políticas e 2 % não souberam responder à pesquisa. Somando esses três grupos, chegamos a 30 % (quem adicionar todos os índices vai chegar a total de 101 %; isso é fruto dos arredondamentos).
A enquete da Folha mostra uma constatação e traz uma conclusão preocupante.
A constatação é que a polarização continua no país, com vantagem para a esquerda. Porém, o esquerdismo não tem maioria entre os eleitores. Portanto, quem decide a eleição é o grupo de eleitores que está no centro ou não se identifica com os extremos, cerca de 30 % do total. Na prática, a polarização persiste – mas a vitória de um lado ou de outro depende da ação dos moderados ou dos independentes.
Essas divisões estão mais ou menos estáveis desde o final do ano passado – e isso é natural. Estamos ainda nos primeiros seis meses do governo Lula e passou-se pouco tempo para que a satisfação ou a insatisfação em relação à administração federal provoquem maiores mudanças no posicionamento ideológico do eleitorado.
A preocupação é decorrente da possibilidade de termos uma polarização política que dure décadas. Especialmente quando investigamos quem é o estereótipo de um lado ou de outro. O petista típico é nordestino, menos instruído e de baixa renda; já o bolsonarista-padrão é mais velho, evangélico e sulista. Não são exatamente grupos que parecem mudar com o tempo e sim têm uma maior tendência a permanecer com suas convicções políticas.
Onde está a possibilidade de mudança? Entre aqueles que se dizem “próximos” de uma corrente ou de outra. No caso do petismo, são 10 %; no do bolsonarismo, 7 %. Isso provavelmente quer dizer que 10 % sejam de esquerda, mas tenham reservas em relação ao Partido dos Trabalhadores e ao presidente Lula – e 7 % se sintam da mesma forma em relação ao ex-presidente Bolsonaro.
Existe, portanto, a possibilidade de um eleitorado razoável que, no futuro, consiga mudar sua posição política. Entre os empresários, por exemplo, a ideologia dominante é a de direita. Mas nem todos admiram Bolsonaro. Porém, em um conflito direto com Lula, por exemplo, vão apoiar o ex-presidente – ou um candidato apontado por ele que tenha chances de derrotar o petismo.
Apenas um fator pode começar a minar a polarização: caso tenhamos, em 2026, uma eleição sem Lula ou Bolsonaro. Existe uma boa possibilidade para que isso ocorra. Lula, de um lado, terá 81 anos em 2026. E muitos que encontraram recentemente com o presidente perceberam que ele está bastante cansado da rotina pesada do Palácio do Planalto. Já Bolsonaro corre sério risco de ficar inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, em julgamento que começa ainda neste mês.
Sem esses dois nomes na urna eletrônica, está aberta a possibilidade de se pensar em uma situação diferente do Fla-Flu que vivemos nos últimos anos. Haverá, evidentemente, uma rixa entre direita e esquerda. Mas talvez entremos em uma nova fase, na qual poderemos debater ideias sem tantas paixões e agressividade.
O Brasil precisa evoluir. E discutir problemas e soluções de cabeça fria, sem sobressaltos ou rancor. Para chegar neste estágio, precisamos deixar boa parte da polarização política para trás. Conseguiremos?