Até meados da década passada, quem estivesse Café de Flore, ponto tradicionalíssimo de Paris, por volta das cinco da tarde, presenciaria uma cena hilariante. Quase todos os dias, neste horário, um jornaleiro entrava no local, que foi um ponto de encontro de intelectuais e artistas como Jean Paul Sartre e Pablo Picasso, para vender a edição do dia. O senhor entrava gritando manchetes imaginárias e estapafúrdias, do tipo “Sarkozy preso em orgia”, “Barack Obama é irmão de Michael Jackson” e outras maluquices. Os frequentadores davam risadas e compravam seus jornais, enquanto alguns incautos acreditavam nas falsas manchetes e pediam um exemplar.
Lembrei-me dessa travessura parisiense, cometida diariamente em um dos lugares mais charmosos da Rive Gauche, quando li a notícia de que quatro ministros do Supremo Tribunal Federal tinham votado a favor da reeleição de Rodrigo Maia e de Davi Alcolumbre para as presidências da Câmara e do Senado (o novo juiz, Kassio Nunes, ficou no meio do caminho e vetou a reeleição de Maia, mas aprovou a de Alcolumbre). Por enquanto, apenas dois ministros votaram contra o repeteco dos parlamentares, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.
A Constituição é clara. No artigo 57, parágrafo 4, da Carta está escrito: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.
Só não entende quem não quiser. O trecho “vedada a recondução” não dá margem exatamente a qualquer tipo de interpretação. Mas Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes resolveram criar uma narrativa própria, diferente do que está escrito na Carta. Eles acham normal dar mais um mandato aos presidentes da Câmara e do Senado.
É tudo tão absurdo que a situação me fez lembrar o jornaleiro maluco de Saint-German-des-Prés. Ainda faltam quatro votos e os ministros podem se manifestar até o dia 14 de dezembro. Vamos aguardar para ver se o STF vai em frente com este desvario ou não.