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A gafe de Múcio mostra o tamanho do preconceito no Brasil

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, nasceu no Recife. Como pernambucano, deveria ser uma voz preparada para combater o preconceito no Brasil, que associa os nordestinos à pobreza. Mas, em um evento ocorrido na segunda-feira, ele disparou a seguinte declaração: “Digo muito que somos cinco países, nem os pobres são os mesmos neste País. Somos de um estado, o Jungmann [ex-ministro Raul Jungmann] e eu, que o sonho do pobre do Nordeste é ser pobre no Sul, porque vai viver numa região diferente”.

Embora tenha razão sobre as diferentes pobrezas que temos no país, o ministro, apesar de nordestino, contribuiu para reforçar um estereótipo que nada contribui para criarmos um Brasil mais equilibrado e justo. A ironia em relação à pobreza, no entanto, pode ser compreendida melhor quando entendemos quem é José Múcio. Egresso da elite dos usineiros e sobrinho do banqueiro Armando Monteiro (pai do senador de mesmo nome), o ministro foi durante anos da Arena, o partido de apoio à ditadura militar, e de seu sucedâneo, o Partido Democrático Social (hoje, está no PTB).

Talvez Múcio seja um dos poucos integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva que possa ser apontado como um integrante da chamada Frente Ampla à qual o candidato de 2022 mencionou durante a campanha. Como se sabe, o ministério atual privilegia muito mais os nomes ligados à esquerda que as forças de centro que apoiaram o presidente contra seu oponente, Jair Bolsonaro.

José Múcio foi bombardeado com força nas redes sociais, recebendo petardos da direita (que provavelmente desconhece suas origens partidárias) e da esquerda. Ele é um exemplo de como não se deve agir no mundo atual, quando tudo o que dizemos estará registrado para sempre nas redes digitais. A frase infeliz, ainda, será alvo de dois questionamentos dentro do governo. Um deverá vir do próprio presidente Lula, que nasceu em Garanhuns, Pernambuco, e veio para São Paulo na boleia de um caminhão; o outro provavelmente será de Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, que já se manifestou publicamente para protestar contra declarações mais amenas.

O ministro da Defesa, com sua chacota fora de propósito, repetiu a inconveniência do general Hamilton Mourão em 2018, quando participou de um debate em Caxias do Sul. Na ocasião, ele disse o seguinte: “Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, Edson Rosa, nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso cadinho cultural. Infelizmente gostamos de mártires, líderes populistas e dos Macunaímas”. Edson Rosa, citado pelo general, é um vereador negro de Caxias que participava do evento.

Múcio, pernambucano, fez pouco dos nordestinos; Mourão, de ascendência indígena, chamou os povos originários de preguiçosos. Ambos diminuíram as suas origens, talvez por se sentirem parte de uma elite. E o atual senador ainda alfinetou os descendentes de africanos.

O fato é que estamos em um momento histórico no qual declarações como essas são consideradas imperdoáveis. Já sei foi o tempo em que figuras públicas falavam barbaridades e eram poupadas pela imprensa, pois não havia redes sociais. Hoje, o cidadão entra em seu smartphone e fala o que deseja. E o pior é que, se isso ocorrer em momento de fúria, o conteúdo será contundente e afiado.

Agora, é hora de ver como Lula e Almeida vão reagir em relação à estultice de Múcio. O ministro dos Direitos Humanos é considerado um educador ponderado, mas assertivo. Em um seminário realizado no ano passado, ele afirmou: “Temos inúmeros desafios. Se não formos capazes de projetar uma estrada para que os que vêm depois de nós seguirem, não há propósito. Então vamos dar esse sentido à nossa existência”. Essa frase pode ser um ponto de partida para uma conversa com José Múcio – ou com qualquer pessoa que transpire preconceito pelos poros.

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