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Quando o cliente nunca tem razão

Logo no início da pandemia, foi possível perceber um crescimento incontestável no nível das tarefas realizadas por todos. Empresários e executivos, por exemplo, preocupados com o futuro de suas empresas, passaram a se debruçar ainda mais sobre seus negócios – e essa postura mais aguda foi também percebida em ocupantes de cargos gerenciais e demais funcionários. Foi um momento em que todos ficaram muito concentrados em suas tarefas e preocupados de forma significativa com seus clientes. Mas essa fase não durou para todos: uma parte dos colaboradores já voltou ao antigo normal e passou a reclamar sobre o emprego, salário, benefícios e o escambau a quatro.

Do mesmo jeito que há pessoas achando que, do ponto de vista sanitário, a pandemia acabou, existem aqueles que preferem acreditar que a economia já saiu da zona de perigo – embora muitas empresas estejam ainda lutando para sobreviver.

Percebe-se que esse comportamento terá seus dias contados em breve. Muitos empresários já dizem à boca pequena que o Home Office serviu para desnudar competências, separando o joio do trigo. E que, em um momento necessário, vão fazer acertos de pessoal, pois perceberam que muitos dos funcionários atuais não são verdadeiramente necessários da estrutura empresarial.

O empenho e o comprometimento de um colaborador, contudo, podem tornar essa pessoa indispensável – seja pela geração de negócios como pelos resultados internos na motivação do time. Certas vezes, porém, a postura de um só colaborador pode gerar a perda de um cliente e queimar o filme da companhia por um bom tempo. Posso citar dois casos de memória para ilustrar como um funcionário pode botar tudo a perder.

O primeiro ocorreu anos atrás. Eu queria comprar um carro em particular, que me parecia um tanto caro em seu lançamento. Depois de um ano, tinha quase todo o dinheiro para adquirir o automóvel. Em um determinado dia, indo ao escritório, passei em frente a uma loja de carros usados. E, em uma plataforma, estava lá o meu objeto de desejo. Dei meia-volta e entrei no estabelecimento.

À primeira vista, estava tudo certo e o odômetro mostrava 4 000 quilômetros. Perguntei o preço e era exatamente igual a o de um carro na concessionária. Ponderei isso ao vendedor, que – em tom agressivo – afirmou que tecnicamente aquele veículo poderia ser considerado zero-quilômetro. E citou uma reportagem de uma revista de automóveis que corroborava aquela opinião.

Ocorre que eu era o diretor editorial daquela publicação. Neste momento, liguei em viva voz ao editor-chefe da revista e, na frente do vendedor, perguntei sobre a tal matéria, que nunca tinha visto. O jornalista afirmou que jamais publicara o artigo e que, mesmo que o carro estivesse em boas condições, o preço não poderia jamais ser igual ao de um exemplar saído da linha de montagem.

Agradeci ao vendedor, que havia chamado mais dois colegas para participar da conversa, e fui embora. Depois de seis meses, consegui juntar o dinheiro que faltava e comprei aquele modelo que desejava em uma concessionária – por um preço ligeiramente inferior ao que me queriam empurrar o usado. Alguns dias depois, passei em frente à tal loja. O carro ainda estava em exposição e ficou assim por um bom tempo.

Em outra experiência, lidava com uma agência de publicidade premiada e o diretor de atendimento era um ex-colega dos tempos de Editora Abril, muito afável. O diretor de criação, no entanto, era muito cioso de seu trabalho. E extremamente agressivo ao defender seus anúncios e sua abordagens em relação às revistas que tínhamos de vender nas bancas. Pagávamos um fee mensal alto para nossas possibilidades, em torno de US$ 20 000 à época. Mesmo assim, as peças eram devolvidas e a agência não entendia o que desejávamos. Durante um bom tempo, acreditávamos que o problema estava em nosso próprio briefing e chamamos até uma consultoria externa de marketing para resolver a parada. Mas os consultores desistiram do job depois de três reuniões com o diretor de criação.

Resolvemos romper o contrato e ouvimos que deveríamos ter mostrado mais explicitamente nossa insatisfação com o trabalho. Ponderei que o número de anúncios gongados e os desentendimentos em reuniões já eram provas inequívocas de que havia uma insatisfação forte. Nosso interlocutor disse que isso não era suficiente. Diante disso, encerrei a reunião com a seguinte frase: “Vocês estão criando um novo método de trabalho: o cliente nunca tem razão. Acho melhor parar por aqui”.

O espírito dessas duas histórias começa a surgir (ou ressurgir) em algumas empresas e esse fenômeno foi captado pelas chefias. Mas, a essa altura, os executivos já traçaram seus planos para 2021 e vão promover mudanças estruturais nas companhias e tornar as equipes mais homogêneas e os sistemas de trabalho mais digitais, eliminando funções de menor valor agregado. Estamos no início de um processo que será doloroso para alguns e bastante frutífero para outros, pois promoverá uma forte dança das cadeiras. Resta apenas uma dúvida: quando isso vai ocorrer? Uns apostam no início do ano; outros acreditam que essas transformações ocorrerão depois do processo de vacinação. De qualquer forma, esse trem já deixou a estação. Vamos ver agora quando ele vai chegar ao próximo ponto.

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