Em meio às especulações sobre a corrida presidencial do ano que vem, um cenário ainda repleto de incertezas por causa da pandemia e da polarização crescente da política brasileira, uma dúvida passa pela cabeça de muita gente disposta a refletir sobre os rumos do país: quais seriam as prioridades de alguém escolhido para a Presidência da República a partir de 2023?
Um público em particular costuma ter muitas opiniões sobre as prioridades do chefe máximo do Executivo: os presidentes de empresas. Afinal, a função de CEO e a de Presidente da República têm muito em comum. Ambas pressupõem uma boa dose de paciência para comandar um contingente de subordinados. As duas funções exigem tomadas de decisão rápidas sobre uma porção de estratégias – e conflitos.
São, afinal, as funções com mais risco dentro de uma organização. Um passo em falso no comando de uma empresa pode significar o fim da linha para a gestão de um CEO muito provavelmente às turras com um conselho de administração insatisfeito com os resultados. No comando da Presidência da República, em particular de uma democracia ainda em construção como a do Brasil, o fracasso em aplacar os anseios de cidadãos, políticos e servidores públicos volta e meia termina em pedidos de impeachment.
Diante dessas similaridades, o que fariam os CEOs brasileiros caso fossem eleitos em 2022 para o cargo de Presidente da República? O consultor de empresas Cesar Souza debruçou sobre essa dúvida nas últimas semanas. Fundador do Grupo Empreenda, uma consultoria de gestão de boa parte das maiores empresas brasileiras, Souza montou em março uma pesquisa online respondida por 134 CEOs de todas as regiões brasileiras – e de tamanhos de negócios.
O intuito da checagem – que, nas palavras de Souza, procurou contemplar grupos diversos de comandantes de empresas, a exemplo de ter uma boa representatividade de executivas mulheres –, foi de servir de uma espécie de termômetro dos requisitos de gestão mais demandados pelos CEOs brasileiros – seja para quem vai sentar-se na cadeira mais importante do Palácio do Planalto, como para lideranças dentro do próprio negócio que comandam.
A lista de prioridades dos CEOs brasileiros numa hipótese de serem agraciados com a vitória na corrida eleitoral do ano que vem, de certa maneira, trazem poucas surpresas em relação ao consenso geral na classe empresarial sobre os entraves ao crescimento do país.
Em primeiro lugar nas ações imediatas dos CEOs está, claro, uma solução para o cipoal de regras para o pagamento de impostos: quase nove entre dez entrevistados colocaram a reforma tributária como tarefa nº 1 do início de um mandato em Brasília.
Muito perto de serem unanimidades também estão melhorias na educação: 68% dos entrevistados defendem um pacto nacional nas salas de aula capaz de melhorar a qualidade da mão de obra brasileira – e, na ponta, elevar a produtividade das empresas brasileiras, um indicador praticamente estagnado há duas décadas.
Na sequência estão outras duas ideias repetidas quase à exaustão por políticos, associações empresariais, economistas, gestores públicos e outros grupos alarmados com o endividamento crescente da União: a redução de gastos da máquina pública (68% defendem uma urgência nas medidas nesse sentido) e um programa amplo de privatizações de empresas estatais pouco reconhecidas pela eficiência na prestação dos serviços (55% dos entrevistados apoiam a ideia). “O empresariado quer medidas de longo prazo”, diz Souza. “É um tipo de planejamentos ao qual estão acostumados a fazer em seus negócios e que sentem falta na máquina pública.”
Há algum presidenciável capaz de seguir essa agenda, na visão dos próprios empresários? O intuito da sondagem não foi o de “fulanizar” nomes capazes de seguir a cartilha dos empresários para ser aplicada a partir de 1º de janeiro de 2023, diz Souza. Em conversas com alguns dos entrevistados, após a sondagem, volta e meia surgiu o nome do senador tucano Tasso Jereissati, do Ceará.
Apelidado de o “Joe Biden brasileiro” em virtude de semelhanças com o presidente democrata dos Estados Unidos – ambos têm experiência vasta no Congresso e são percebidos como hábeis em encontrar um meio termo para conciliar interesses adversos –, Jereissati tem afinidade com a agenda de prioridade dos CEOs entrevistados. “O nome dele apareceu como uma aposta segura para seguir essa agenda”, diz Souza. “Mas, daqui até 2023, muita coisa pode acontecer e novos candidatos surgirem.”
A pesquisa de Souza também olhou a qualidade da liderança dentro das empresas dos entrevistados. A conclusão não é boa: 43% dos CEOs entrevistados dizem faltar pessoas treinadas nas suas empresas na quantidade suficiente para colocar de pé toda a estratégia pensada para os negócios no período de 2021 a 2025.
A escassez chega ao topo. Quase metade dos entrevistados dizem não ter um sucessor preparado para assumir as rédeas do negócio numa eventualidade. Outros 30% já escolheram sucessor, mas o nome segue desconhecido de outras partes relevantes da empresa, como o conselho de administração. Só 26% já fizeram toda a lição de casa.
Em boa medida, por trás do desafio dos CEOs de encontrar gente boa para aguentar o tranco no próprio negócio está a falta de preparo das empresas brasileiras para a chamada “transformação digital”, conceito um tanto amplo e cada vez mais falado por CEOs exasperados com os perrengues criados pela vida em quarentena.
O abre e fecha do comércio de rua só atrapalha as estratégias de venda. Concorrentes com canais de atendimento bem azeitados na internet nadam de braçada num cenário de pandemia sem data para acabar. Startups abertas há pouco tempo ousam mudar completamente o jeito de consumir produtos em setores inteiros. “A vida do CEO ficou complicada demais”, diz Souza.
Não à toa, os entrevistados consideram ter ainda um longo caminho a percorrer para transformar de vez seus negócios para a era digital. Para 48% deles “faltam muitos ajustes” até chegar lá. Só 4% consideram suas empresas “totalmente adequadas” ao novo cenário.
Na lista de obstáculos para a transformação estão questões cada vez mais relevantes em empresas obrigadas a mandar funcionários a trabalhar de casa para minimizar os riscos de contágio pelo vírus, como a falta de uma cultura interna forte (46% citaram o problema) e a escassez de mão de obra qualidade (41%).
Em função disso tudo, Souza vê uma mudança nas habilidades consideradas relevantes pelos líderes brasileiros para o trabalho deles. Saem de cena os CEOs visionários e pouco afeitos à tomada de decisão diárias sobre assuntos pouco relevantes para a estratégia geral da companhia – o “feijão com arroz” da gestão.
Em alta estão o que Souza chama de “líderes transformadores”, dispostos a entrar nos detalhes considerados banais por muitos gestores, mas que podem contribuir para a construção de uma cultura organizacional mais coesa à empresa. Na pesquisa, 54% dos entrevistados citaram esse perfil como o mais relevante para um líder empresarial brasileiro em 2025.
Seria também uma dica para quem está disposto a comandar a República a partir de 2023? “Sim, a ideia vale para lideranças de todos os níveis, inclusive de governos”, diz Souza. Tendo em vista que as prioridades dos CEOs para o país são medidas sabidamente urgentes, como a reforma tributária, ao que tudo indica é hora de menos ideias e mais ações de quem ocupar a Presidência da República em 2023.
Por Leo Branco
Publicado originalmente em https://exame.com/negocios/o-que-os-ceos-brasileiros-fariam-se-eleitos-presidentes-da-republica/