Estamos a um passo do caos absoluto na saúde. Não se trata de alarmismo. Já não temos leitos de UTI para os casos avançados de Covid-19, no sistema público e no privado. Há filas nos hospitais, que vão se acumulando dia após dia. As previsões mais catastrofistas, feitas no final de dezembro, estão se confirmando. Atingimos um patamar próximo a 3 000 mortes diárias. A título de comparação, em junho a média era de 1 200 óbitos diários e, em outubro, os falecimentos ficaram em torno de 300/350 casos ao dia.
Há três causas sérias que nos levam a este cenário.
A primeira é que houve um descontrole total das regras de isolamento. As pessoas encararam a diminuição de casos, em outubro, como uma salvaguarda para a confraternização sem limites. Não estou falando de almoços de amigos, em restaurantes e residências – e sim de festas com mil, duas mil pessoas, sem máscaras e próximas umas das outras. O efeito cascata provocado por estes eventos foi terrível e gerou uma contaminação exponencial, que ganhou tração com as festas de final de ano e, depois, com as viagens de Carnaval (mesmo com o feriado cancelado).
Tivemos também um certo atraso no processo de vacinação e o que é pior, na compra dos imunizantes. O governo perdeu tempo precioso em discussões negacionistas e não encomendou grandes lotes quando poderia ter feito isso com maior facilidade. Depois, usou os altos preços (reflexo da lei da oferta e da procura) para justificar a própria inépcia.
Por fim, é preciso destacar o comportamento pessoal do presidente Jair Bolsonaro. Durante meses seguidos, fez pouco da pandemia, evitou o uso de máscaras, descartou ser vacinado para dar o exemplo (ontem, voltou atrás e prometeu ser imunizado), provocou aglomerações e passou uma mensagem subliminar de que não havia crise sanitária – e que isso tudo era exagero da imprensa. O brasileiro médio, evidentemente, não copiou a atitude do presidente. Tanto que a aprovação do governo caiu e há muitas pesquisas que mostram a população insatisfeita com os rumos do combate à pandemia.
Mas aqueles que seguem Bolsonaro fielmente levam esse comportamento a sério e o emulam. Ontem mesmo, recebi em grupo de WhatsApp a seguinte mensagem:
“E tem gente que ainda acha que existe uma pandemia… MEU DEUS!!!!! O que há é o que sempre houve, apenas mais um vírus que tem sua letalidade sim, mas para o grupo de risco, que deve ser protegido.”
O negacionismo dessa postagem é preocupante e mostra que a ignorância pode ser espalhada a granel por aqueles que desejam acreditar em uma mentira. Vamos aos números: em um ano, morrem no Brasil cerca de 1 200 pessoas de complicações decorrentes da gripe comum. Em doze meses de pandemia, tivemos cerca de 280 000 mortes. É possível menosprezar esses números?
O colapso total do sistema de saúde é trágico. Uma coisa é ver um ente querido receber tratamento e não resistir aos efeitos da doença. Outra, completamente diferente, é presenciar essa pessoa falecer sem ter a chance de receber o auxílio de equipamentos que poderiam ajudar o corpo em sua corrida para produzir anticorpos. Ao que tudo indica, estaremos vivendo esse caos em breve, em proporções maiores que as de hoje.
Não se trata de ser pessimista ou derrotista. Apenas realista. As projeções matemáticas mostram que ainda há espaço para o número maior de infectados.
O que resta agora? Investir tudo na compra de vacinas e na expansão sistemática da imunização.
Além disso, o estado emergencial nos obriga a pensar fora da caixa. Sanitaristas precisam trabalhar em conjunto com especialistas na gestão de crises públicas para oxigenar ideias e encontrar novas soluções. Os leigos em pandemia poderiam dar sugestões que seriam avaliadas por cientistas, que estudariam a viabilidade das propostas. O que não podemos mais é aceitar que fiquemos chovendo no molhado, repetindo as soluções paliativas de sempre.
Igualmente importante será retomar a implementação da compra de imunizantes por empresas privadas, qualquer que seja o modelo (se doação total ou doação de uma dose para cada aplicada entre os funcionários). Já passamos da fase em que poderíamos discutir o dilema moral entre vacinação igualitária e possibilidades de furar a fila da imunização. Estamos, neste momento, entrando no olho do furacão e precisamos ser pragmáticos: é preciso ampliar a base de compra de vacinas para aumentar o número de imunizados. Se isso não acontecer, o transtorno pelo qual passamos vai aumentar extraordinariamente e vai afetar ainda mais a economia. Ou seja, o que está ruim pode piorar. E muito.
Felizmente, a maioria das empresas se mostra resiliente e encontrando saídas criativas para continuar funcionando. Alguns setores estão sofrendo muito, mas ainda há liquidez no sistema financeiro e existe movimentação de negócios além do comércio, que perde vendas com suas lojas físicas fechadas. Precisamos, daqui para frente, encontrar soluções de mercado para evitar novos lockdowns e combater a pandemia sem ferir a economia.
Repetindo: é preciso pensar fora da caixa. E acelerar a recuperação econômica.
Uma resposta
Concordo.
A coordenação dessas propostas via Ministério da Saúde seria o ideal.
Mas pelo jeito jeito o novo ministro não fará isso.