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Lula, FHC e as tarifas de importação – empatamos com Argentina, Venezuela e Cuba

O objetivo é proteger grandes empresas e grandes sindicatos

Nota do editor

Neste último fim de semana, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva lançaram uma nota conjunta em oposição à proposta de redução tarifária unilateral por parte do Mercosul, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da economia Paulo Guedes. 

Tanto Lula quanto FHC abertamente defendem que os brasileiros, em especial os mais pobres, continuem pagando artificialmente caro para ter acessos a bens importados e de qualidade. E defendem que o grande baronato industrial continue usufruindo uma reserva de mercado. Inaceitável.

No entanto, ainda mais bizarra do que esta posição protecionista — dado que o Brasil é um dos países mais fechados do mundo, como será mostrado abaixo — foi a motivação apresentada: em apoio ao presidente argentino Alberto Fernandez, a dupla brasileira afirmou que a redução de tarifas de importação é uma ação que poderia prejudicar as indústrias da Argentina!

Abaixo, um artigo que explica por que a abertura comercial do país é de extrema urgência.

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Uma crítica comum ao processo de abertura comercial diz que isso é coisa de “neoliberal entreguista”, e que todos os países do mundo protegem suas empresas, de forma que não há razão para não fazermos o mesmo. 

Com isso em mente, resolvi dar uma olhada nos dados de tarifas aplicadas à importação de produtos manufaturados que estão disponíveis no Banco Mundial. 

Comecei olhando para América Latina e Caribe. Como de costume, trabalhei com valores médios de cinco anos (2014 a 2018) e países com mais de cinco milhões de habitantes.

Eis os dados:

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Gráfico 1: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média simples). Países da América Latina e Caribe

É isso mesmo: temos a maior tarifa média do grupo. Argentina, Venezuela, Bolívia e mesmo Cuba praticam tarifas menores do que as nossas. 

Será que alguém vai dizer que os irmãos Castro, o kirchnerismo e o bolivarianismo são regimes ultraliberais e entreguistas, ou que nossas empresas enfrentam agruras maiores que as enfrentadas por empresas argentinas ou bolivianas? 

Se considerarmos a média ponderada no lugar da média simples, como na figura abaixo, apenas a Venezuela tem tarifa média maior que a nossa. 

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Gráfico 2: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média ponderada). Países da América Latina e Caribe

Em outro artigo, mostrei que o Peru foi o país da América Latina com o maior crescimento no século XXI. Talvez não seja por acaso que o Peru seja o país da região com menor tarifa média aplicada a produtos manufaturados.

Fiquei inconformado com a ideia de que, com exceção da Venezuela, a depender da medida utilizada, somos o país com maior tarifa média da América Latina e Caribe. Os países da América Latina são todos “neoliberais entreguistas”? Até Cuba? Até Morales? 

Resolvi então olhar outro grupo em que o Brasil se encontra: os países de renda média-alta segundo o Banco Mundial. 

Esses países certamente sabem proteger as indústrias que lá produzem. A figura abaixo mostra o resultado para média simples.

3.png Gráfico 3: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média simples). Países de renda média-alta

De novo, ficamos com a maior tarifa média. Não pode, isso só prova que a média simples não é uma boa medida. 

A figura abaixo mostra a tarifa calculada com médias ponderadas: novamente, só a Venezuela na nossa frente. Seria Maduro o único governante que sabe a importância de proteger a indústria local?

4.pngGráfico 4: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média ponderada). Países de renda média-alta

Não me dei por vencido. 

O leste da Ásia é a região que mais cresce e atrai novas indústrias, logo aqueles países devem ser uma boa referência. A figura abaixo mostra a tarifa média no Brasil e nos países do Leste da Ásia e do Pacífico.

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 Gráfico 5: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média simples). Países do leste da Ásia e Pacífico

Mais uma vez, ficamos em primeiro! Sem países exemplares como Argentina, Venezuela e Bolívia, ficamos sozinhos na lista de países com tarifas médias acima de 10%. 

Outra vez, desconfiei do uso de médias simples e joguei minhas esperanças nas médias ponderadas. Como pode ser visto na figura abaixo, no critério de médias ponderadas também estamos na frente dos países do Leste da Ásia e do Pacífico.

5.png

 Gráfico 6: tarifas de importação aplicadas a produtos manufaturados (média ponderada). Países do leste da Ásia e Pacífico

Portanto, é oficial: somos mais fechados que Camboja, China, Vietnã, Indonésia e Laos.

Seria também essa região um antro de governo neoliberais e entreguistas?

Quase sem ânimo algum e pronto para reconhecer, resolvi olhar para todos os países com dados disponíveis e mais de cinco milhões de habitantes. 

Com o critério de média simples, encontrei apenas três países com tarifa maior que a do Brasil: Camarões, Etiópia e Chade. 

Intolerável.

Decidi, então, dar uma conferida no critério de média ponderada. Finalmente! Foi a primeira lista em que o Brasil não estava em primeiro ou segundo lugar. Como é complicado fazer figuras com cerca de cem países ou regiões, vou listar os doze países onde a tarifa média ponderada aplicada a produtos manufaturados é maior do que a nossa: Chade, Camarões, Etiópia, Nepal, Bangladesh, Paquistão, Benim, Venezuela, Togo, Senegal, Quênia e a República Democrática do Congo.

Apenas estes países são menos entreguistas que o Brasil.

É muito sério. E grave

O leitor pode estar pensando que abusei da ironia aqui. Talvez eu tenha mesmo, mas foi uma forma de tentar chamar atenção para a necessidade urgente de discutirmos a abertura da economia e o quão fora da realidade é o discurso de que as empresas instaladas no Brasil não resistirão a tarifas mais baixas. 

Temos nossos problemas, é fato, mas outros países também têm os seus e punem menos seus residentes com tarifas para dificultar a compra de produtos mais baratos ou de melhor qualidade produzidos no exterior.

Para você, consumidor, este excelente site tem uma calculadora que permite você calcular, por estado, quanto irá pagar de tributos ao importar um bem. Por exemplo, se você mora no estado de São Paulo e decidir importar, via Courier, um produto que custa US$ 1.000 (R$ 5.050) mais US$ 50 de frete, você pagará R$ 5.380 só de tributos, o que dá mais de 100% do preço do produto. 

O preço final total será de insanos R$ 10.685. Ou seja, as indústrias nacionais estão sem nenhuma concorrência estrangeira.

Clique no site, faça pesquisas por estados, e teste a resistência do seu estômago. 

O objetivo e as consequências

A ideia por trás do protecionismo é que tarifas de importação elevadas irão proteger as empresas nacionais (tanto os grandes empresários quanto os sindicatos destas empresas) e blindá-las contra os reais desejos dos consumidores, que sempre querem produtos baratos e de qualidade.

Logo, com empresas nacionais protegidas da concorrência estrangeira, nós teremos de comprar exclusivamente delas, o que irá garantir lucros para os grandes empresários e empregos para seus funcionários.

Isso é o que se vê. Mas, ainda mais importante, é o que não se vê.

Tarifas de importação altas, além de afetar os mais pobres — que ficam sem poder aquisitivo para comprar produtos bons e baratos feitos no exterior —, afetam também os pequenos e médios empreendedores, que não conseguem adquirir insumos baratos (e cruciais) para seus negócios.

E isso tem de ser enfatizado: tarifas protecionistas não afetam apenas os consumidores; elas também afetam as empresas domésticas que precisam importar bens de capital e maquinários modernos para incrementar sua produtividade e, com isso, fabricar produtos melhores e mais baratos. Tarifas as obrigam a pagar mais caro por seus insumos ou então a comprar insumos nacionais mais caros e de pior qualidade. 

Isso reduz sua produtividade e aumenta seus custos. Sendo menos produtivas e operando com custos maiores, essas empresas se tornam menos competitivas internacionalmente. 

Consequentemente — e essa é uma das consequências não previstas do protecionismo —, as exportações tendem a ser menores do que seriam sem as tarifas. 

Com o protecionismo, o governo cria uma reserva de mercado para grandes empresários e grandes sindicatos, os quais agora, sem a concorrência externa, se sentem mais livres para, do lado empresarial, cobrar preços mais altos, e do lado sindical, exigir salários maiores, e em troca oferecerem produtos de pior qualidade para os consumidores.

Logo, não sobra alternativa para os consumidores e empreendedores senão consumir os produtos destas duas corporações protegidas pelo governo. Nós nos tornamos reféns.

Tendo de pagar mais caro por produtos nacionais de qualidade mais baixa, os consumidores nacionais ficam incapacitados de consumir mais e de investir mais. A capacidade de consumo e de investimento da população fica artificialmente reduzida. 

E sempre que a capacidade de consumo e de investimento da população é artificialmente reduzida, lucros e empregos diminuem por toda a economia. 

Consequentemente, empregos de baixa produtividade nas indústrias protegidas são mantidos à custa de empregos em empresas que tiveram suas vendas reduzidas por causa da queda da capacidade de consumo e de investimento das pessoas. 

Assim, toda a economia se torna mais ineficiente, a produção fica aquém do potencial, os preços médios são maiores do que seriam caso houvesse liberdade, e, como consequência de tudo, os salários reais ficam abaixo do potencial.

E tudo isso não é apenas teoria, mas também empiria. Os fatos comprovam que os países mais abertos ao comércio internacional não apenas não têm problemas de emprego, como também são, em média, 5 vezes mais ricos do que aqueles que decidem impor todos os tipos de travas e barreiras à liberdade de seus cidadãos de importarem bens do exterior.

Para concluir

Temos tarifas de importação, hoje, da ordem de duas vezes a média mundial. Em relação a todos os países comparáveis, somos o mais fechado do mundo.

Isso é inaceitável.

Em tempos de reformas e combates a privilégios, pelo menos nos discursos oficiais, é mais do que necessário discutir o fim do privilégio de não enfrentar a concorrência de produtos vindos de outros países. 

Não faz sentido manter mais de duzentas milhões de pessoas reféns de empresas que alegam não conseguir sobreviver com alíquotas semelhantes às aplicadas na Colômbia, no México ou mesmo em Cuba.

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Roberto Ellery

Publicado e atualizado anteriormente em: cutt.ly/wnT2M0u

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