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Impostos, moralidade e ética

Não há imposto justo ou aceitável

Alguns meses atrás, um jornalista francês, o senhor Nicolas Cori, procurou-me pedindo uma entrevista a respeito do tema da tributação, a qual seria publicada na revista francesa mensal “Philosophie Magazine”, no contexto do atual debate sobre “reforma tributária” que vem ocorrendo na França.

Concordei em dar a entrevista, a qual foi inteiramente conduzida por e-mail em língua inglesa.  O senhor Cori fez a tradução para o francês, meu amigo o Dr. Nikolay Gertchev conferiu e corrigiu sua tradução, e eu então enviei a versão autorizada da tradução para o senhor Cori.  Desde então, mais de um mês depois, e não obstante meus sucessivos pedidos de resposta, não recebi satisfação alguma do senhor Cori.  Posso apenas especular as razões do seu silêncio.  Muito provavelmente, ele não obteve permissão de seus superiores para publicar a entrevista, e não possui a cortesia e a hombridade de me dizer isso.

Em todo caso, eis aqui a entrevista original.  A versão autorizada em francês está disponível na página de traduções do meu website, aqui.

NC: Impostos são consistentes com a liberdade individual e com os direitos de propriedade? Há algum nível de tributação em que tal ato deixa de ser consistente?

Hoppe:

Não. Impostos nunca são, em qualquer nível de tributação, consistentes com a liberdade individual e com os direitos de propriedade. Impostos são pura e simplesmente um roubo, um assalto. Os ladrões — o estado e seus funcionários e aliados — tentam fazer o melhor possível para esconder esse fato, é claro, mas simplesmente não há como fazê-lo.  

Obviamente, impostos não podem ser considerados pagamentos normais e voluntários por bens e serviços, pois você não tem a permissão de parar de pagá-los caso não esteja satisfeito com o produto que lhe é entregue. Você não é punido caso pare de comprar carros da Renault ou perfumes Chanel, mas irá para a cadeia caso pare de pagar por universidades e escolas estatais, bem como caso não esteja mais a fim de sustentar os políticos franceses e sua pompa. 

Tampouco é possível interpretar os impostos como sendo meros ‘pagamentos de alugueis’, como no caso de um inquilino para seu senhorio. Afinal, para ser considerado o proprietário das terras, o estado francês teria de ser capaz de provar duas coisas: primeiro, que o estado, e ninguém mais, é o proprietário da cada centímetro de terra da França; e segundo, que ele possui um contrato de aluguel com absolutamente cada cidadão francês no que concerne à utilização da propriedade, bem como ao preço de sua utilização. 

Nenhum estado — seja ele francês, alemão, americano ou absolutamente qualquer outro — é capaz de provar isso. Não há documentos com essa finalidade e eles não são capazes de apresentar nenhum contrato de aluguel. Assim, há apenas uma conclusão: tributar é um ato de roubar e extorquir; ato esse por meio do qual um seguimento da população, a classe dominante ligada ao estado, enriquece a si própria à custa da classe restante, os dominados.

NC: é errado não pagar impostos?

Hoppe:

Não. Dado que imposto é roubo — ou seja, algo moralmente errado —, não se pode dizer que seja errado se recusar a pagar ladrões ou mentir para eles a respeito de sua renda ou de seus ativos tributáveis. 

Isso não significa, entretanto, que seja algo prudente ou sábio não pagar impostos — afinal, o estado é “o mais frio de todos os monstros”, como disse Nietzsche, e ele pode arruinar toda a sua vida ou mesmo destruir você por completo caso não obedeça às suas ordens. Porém, não pode haver dúvidas quanto ao fato de que é justo não pagar impostos.

NC: Como sabemos que um imposto é justo? Há alguns critérios? Um imposto progressivo é melhor que um imposto uniforme (flat tax, um imposto de renda com uma alíquota única para todos)?

Hoppe:

Sabemos que nenhum imposto é justo, seja ele progressivo, uniforme ou proporcional. Como pode o roubo e a extorsão serem justos? O “melhor” imposto será o menor imposto — ainda assim, mesmo o mais baixo dos impostos ainda é um imposto. O “melhor” imposto — porque seria o menor — seria um imposto per capita (conhecido como poll tax), no qual cada indivíduo paga a mesma quantia absoluta de impostos. 

Como até mesmo o mais pobre dos pobres teria de ser capaz de pagar essa quantia, tal imposto teria necessariamente de ser baixo.

Porém, mesmo esse imposto por cabeça ainda seria um roubo, e não há nada de “justo” em relação a ele. Um imposto por cabeça não trata todos os cidadãos de maneira igual e uniforme; tampouco ele estabelece a “igualdade perante a lei”, pois algo ocorre com a receita dessa tributação: os salários de todos os empregados do governo e dos dependentes do estado (pensionistas e pessoas em programas assistencialistas) são pagos com as receitas oriundas da tributação. 

Consequentemente, funcionários públicos e dependentes do estado não pagam imposto algum. Ao contrário, toda a renda líquida dessas pessoas (após elas terem pagado seu imposto por cabeça) advém do pagamento dos impostos feito por outras pessoas, de modo que funcionários públicos e dependentes do estado são meros consumidores de impostos, cuja renda advém da riqueza roubada de terceiros: os produtores de impostos.  

O que há de justo e moral em um grupo de pessoas vivendo parasiticamente à custa de outro grupo de pessoas?

NC: Todos os filósofos concordam quanto a isso?

Hoppe:

Não, não concordam, o que não é surpresa alguma.  

Praticamente todos os filósofos profissionais da atualidade são consumidores de impostos. Eles não produzem bens ou serviços que irão posteriormente vender no mercado a consumidores de filosofia, os quais irão voluntariamente comprar ou deixar de comprar tais produtos.  

Com efeito, a se julgar pela atual demanda dos consumidores, toda a obra da maioria dos filósofos contemporâneos deve ser considerada inútil e sem valor.  

Mais ainda: praticamente todos os filósofos de hoje são pagos por meio de impostos. Eles vivem do dinheiro roubado ou confiscado de terceiros. Se a sua vida depende da receita de impostos, você provavelmente não vai se opor à instituição da tributação utilizando princípios éticos. 

É claro que esse não é necessariamente o caso. Nossa “consciência” não é determinada pela nossa “existência”, como disse Marx.  Entretanto, qualquer oposição da parte dessa gente não é muito provável. Com efeito, assim como a maioria dos “intelectuais”, os filósofos tipicamente sofrem de um ego sobredimensionado. Eles acreditam sinceramente que fazem um trabalho de grande importância e, por isso, se ressentem do fato de a “sociedade” não recompensá-los de acordo.  

Assim, ou eles simplesmente ignoram a questão da tributação, ou eles estão na vanguarda da invenção de tentativas tortuosas e convolutas de se justificar os impostos — tentando mascarar o roubo como sendo algo “bom” — e, em particular, seus próprios salários, os quais são financiados via impostos.

NC: Deveriam os filósofos levar em conta a eficiência econômica dos métodos de tributação simultaneamente aos valores éticos de tais métodos? 

Hoppe:

Para falar que uma ação é “eficiente”, é necessário primeiramente definirmos um propósito para tal ação, ou seja, um objetivo ou um fim.  

Algo pode ser julgado como eficiente ou ineficiente apenas à luz de um objetivo que é tido como já determinado. A tarefa do economista e da chamada “ciência econômica positiva” é determinar quais medidas são eficazes (ou ineficazes) para produzir um dado fim.  

Por exemplo, se você quiser criar desemprego em massa, então a ciência econômica diz que seria eficaz elevar o salário mínimo para, digamos, 100 euros por hora. Por outro lado, se o seu objetivo é minimizar o desemprego, então a ciência econômica ensina que o salário mínimo e todas as leis e regulamentações trabalhistas devem ser abolidos.

Porém, economistas, enquanto meramente economistas, não têm nada a dizer quanto à permissibilidade ou à desejabilidade dos objetivos em questão. Fazer juízos de valor não é a função do economista; essa é a tarefa do filósofo. É tarefa do filósofo determinar quais objetivos são justos e admissíveis e quais não são. (O economista irá então informar ao filósofo quais meios são eficientes e quais são ineficientes para se atingir tais objetivos justificáveis).

Mas, como já afirmei: a profissão filosófica simplesmente não tem feito seu trabalho. Os filósofos, é claro, fornecem uma variedade de conselhos sobre o que fazer ou o que não fazer, mas seus conselhos têm pouco ou nenhum peso intelectual. Em praticamente todos os casos, tratam-se de meras opiniões: a expressão de gostos pessoais, nada mais.  

Se você perguntar a eles sobre a “teoria da justiça” — de onde supostamente vem a maioria de suas recomendações —, verá que eles não têm tal teoria. Tudo o que eles podem oferecer é apenas alguma coleção ad hoc de julgamentos de valor subjetivo, os quais tipicamente não cumprem sequer a exigência mínima de ter alguma consistência interna.

Qualquer teoria da justiça digna de algum valor deve reconhecer acima de tudo o fato mais fundamental da vida humana: os bens são escassos, isto é, não vivemos na superabundância. É a escassez que faz com que as pessoas entrem em conflito umas com as outras: eu quero fazer x com um dado recurso escasso e você quer fazer y com esse mesmo recurso.  

Sem conflitos, não haveria nenhuma necessidade de regras ou normas; e o propósito das normas é o de evitar conflitos. 

Como não há e nem nunca houve uma harmonia pré-estabelecida entre todos os interesses, os conflitos podem ser evitados somente se todos os recursos escassos forem propriedade privada, isto é, se houver um proprietário identificável para um dado recurso, ao invés de vários brigando entre si para possuí-lo.  

E, para que os conflitos fossem evitados desde o início da humanidade, por assim dizer, qualquer teoria da justiça teria de começar com uma norma determinando que a primeira apropriação original de algum recurso escasso configuraria propriedade privada.

A maior parte da filosofia (política) contemporânea não parece estar consciente desse fato. Com efeito, eu frequentemente tenho a impressão de que nem mesmo o fato de que vivemos na escassez é reconhecido ou plenamente compreendido.

NC: Qual, portanto, deveria ser o objetivo de uma política tributária? Redistribuição? Igualdade? Redução da pobreza?

Hoppe:

Se imposto é roubo, então, do ponto de vista da justiça, não deveriam existir impostos e nem qualquer política tributária. Toda e qualquer discussão sobre os objetivos de uma política tributária e sobre reforma tributária é apenas uma discussão entre ladrões e defensores do roubo, pessoas que não se importam com justiça. Eles se importam apenas em aprimorar a espoliação da propriedade alheia. 

Há debates e divergências entre eles a respeito do que deve ser tributado, em qual nível e o que deve ser feito com os impostos, isto é, quem deveria ficar com qual fatia do esbulho.  

Porém, todos os ladrões e todos os beneficiários do roubo tendem a concordar em um ponto: quanto maior a quantia espoliada, e quanto menor o custo do roubo, melhor fica a situação deles. 

Em verdade, é isso que todas as democracias ocidentais praticam hoje: escolher alíquotas e formas de tributação que maximizem as receitas tributárias. 

Todas as atuais discussões sobre reforma tributária, seja na França, na Alemanha, nos EUA ou em qualquer outro país, são apenas isso: discussões sobre como aumentar a pilhagem dos cidadãos. Para tal, discute-se se o imposto sobre a herança deve ser introduzido ou repelido, se a renda deve ser tributada progressivamente ou proporcionalmente, se os ganhos de capital devem ser tributados como renda ou não, se os impostos indiretos — como o imposto sobre valor agregado — devem ou não ser substituídos por impostos diretos e se as alíquotas desses impostos devem ser elevadas ou reduzidas.  

Eles nunca discutem sobre a justiça de tais atos. Eles não estão motivados por nenhuma oposição a impostos baseada em princípios, mas sim pelo desejo de tornar a tributação mais eficiente, isto é, de maximizar as receitas tributárias. Toda reforma tributária que não seja, no mínimo, “neutra em termos de receita” é considerada um fracasso.  Apenas reformas que aumentam as receitas são consideradas um “sucesso”.

Com isso, devo perguntar de novo: como pode alguém considerar que isso seja “justo”? É claro que, do ponto de vista dos consumidores de impostos, tudo isso é “bom”. 

Porém, do ponto de vista dos produtores de impostos — isto é, daqueles que realmente pagam impostos —, isso certamente não é “bom”, mas sim “pior do que ruim”.

Uma última consideração sobre os efeitos econômicos da tributação: todo imposto representa efetivamente uma redistribuição de riqueza e renda. Riqueza e renda são forçosamente tomadas de seus proprietários e de seus produtores e transferidas para pessoas que não são proprietárias dessa riqueza e que não produziram essa renda. A acumulação futura de riqueza e a produção de renda serão, desta forma, desestimuladas, e o confisco e consumo da riqueza existente serão estimulados.  Como resultado, a sociedade ficará mais pobre em relação ao seu potencial de riqueza. 

E quanto ao efeito da eternamente popular proposta igualitária de se tributar os “ricos” para dar aos “pobres”, uma consideração adicional: tal esquema não reduz ou alivia a pobreza; ao contrário, ele aumenta a pobreza. Ele reduz os incentivos para se enriquecer e ser produtivo, e aumenta os incentivos para se manter pobre e ser improdutivo.

NC: Deveriam as pessoas ricas ser tratadas de modo diferente das pobres?

Hoppe:

Cada indivíduo, rico ou pobre, deveria ser tratado igualitariamente perante a lei. Existem pessoas ricas que são ricas sem jamais terem trapaceado, fraudado ou roubado nada de ninguém. Elas são ricas porque trabalharam mais, pouparam diligentemente, foram mais produtivas e demonstraram engenho e criatividade empreendedorial, normalmente ao longo de várias gerações familiares. Tais pessoas deveriam não apenas ser deixadas em paz, como também deveriam ser aplaudidas como heróis.  

E há também pessoas ricas — a maioria pertencente à classe de líderes políticos em controle do aparato estatal ou à elite empresarial que possui estreitas ligações com o estado, como os bancos e as grandes empresas — que são ricas porque estiveram diretamente engajadas em, ou se beneficiaram diretamente de, confiscos, roubos, trapaças e fraudes. Tais pessoas não apenas não deveriam ser deixadas em paz, como também deveriam ser condenadas e desprezadas como criminosas.

O mesmo é válido para as pessoas pobres. Existem pobres que são honestos e que, portanto, deveriam ser deixados em paz. Eles podem não ser heróis, mas merecem todo o nosso respeito. E existem pobres que são desonestos, e que por isso devem ser tratados como escroques, não obstante a sua “pobreza”.

(Hans-Hermann Hoppe)
Publicado originalmente em https://www.mises.org.br/article/926/impostos-moralidade-e-etica

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