O embargo da Arábia Saudita à carne de frango brasileira já era previsto e não foi uma forma de retaliação ao governo Bolsonaro, que mostra intenção de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Essa é opinião de Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo Lucchi, a Arábia Saudita já sinalizava, desde o ano passado, planos de diversificar suas importações. “Aquele país vem se desenvolvendo, aumentando sua produção própria, para ficar menos dependente de importações”, diz. Em entrevista a MONEY REPORT, Lucchi fala sobre as expectativas do agronegócio neste ano sob o governo Bolsonaro e o impacto do custo logístico no setor. A seguir, sua entrevista.
Ontem, a Arábia Saudita suspendeu a compra de carne de frango do Brasil. Já é possível prever o impacto disso no setor?
Sem dúvidas terá impacto. A Arábia Saudita é o maior consumidor de frangos do Brasil, mas não o único. Exportamos carnes de aves para mais de 100 países. Além disso, não foi fechado todo o mercado, apenas 5 frigoríficos. Outros operam a todo vapor. Outra coisa: já passamos por momentos piores no ano passado. Em função da quebra da safra argentina, houve um aumento muito grande no preço do milho, que é a base da ração desses animais. Tivemos deslistamento de exportadores de aves pela União Europeia e a greve dos caminheiros.
Acredita que essa suspensão da Arábia Saudita é uma retaliação à provável mudança que o governo Bolsonaro fará da embaixada brasileira em Israel?
Não consideramos que foi um fato político que originou esse fechamento de mercado. A Arábia Saudita já tinha se manifestado nesse sentido, no ano passado, que estava com forte tendência de reduzir a compra no Brasil. Nós somos o principal fornecedor de carne de frango. Do ponto de vista ‘mercadológico’, país não gosta de depender apenas de um fornecedor. O mercado árabe tem intenção de diversificar e produzir também.
Quais as expectativas para 2019?
Estamos otimistas. Penso que haverá uma retomada no consumo de carnes, devido ao maior crescimento econômico e aumento da renda do brasileiro. Na agropecuária, as crises estão sendo superadas. Teremos aumento do consumo de alguns derivados lácteos, como queijo e iogurte, que sempre são afetados em momentos de crises. Haverá uma recuperação de safra de grãos e, com o novo governo e um ambiente propício para novos negócios, estimamos um crescimento de 2% no PIB do agronegócio.
O governo Bolsonaro tem atendido às expectativas do agronegócio?
O governo Bolsonaro trouxe uma onda otimismo ao agronegócio. Essa é a percepção dos produtores. Há um voto de confiança no novo governo. Esperamos que muitos problemas que afligem o setor há anos sejam resolvidos, como segurança no campo e insegurança jurídica. Acreditamos que as decisões do governo serão baseadas em questões técnicas e não ideológicas. Já percebemos sinais de mudanças.
Quais sinais?
Veja a equipe econômica. É uma equipe que sabe da importância dos investimentos no agronegócio. O perfil da equipe econômica passa credibilidade aos investidores. Além disso, Bolsonaro não poderia ter colocado ninguém melhor do que Tereza Cristina no comando do Ministério da Agricultura. Ela é formada na área, é produtora rural, tem experiencia prática, foi uma das parlamentares mais atuantes e equilibradas em defender as causas do setor. Penso que ela foi colocada no local certo, no momento certo. O discurso do presidente Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, em Davos, mostrou o comprometimento do governo com as nossas causas, que são estratégicas para o país.
Vários estudos da CNA criticam o impacto da burocracia no agronegócio. Pode citar exemplos?
Um exemplo: instalação de um projeto de irrigação. Para conseguir, o produtor precisa da outorga da água, que é uma licença específica pela ANA (Agência Nacional de Águas). Além dessa, é preciso de no mínimo mais três tipos de licenças, que são semelhantes. Um projeto que deveria ser aprovado em três meses, demora três anos. Esse produtor tomou recursos no banco para realizar esse projeto e fica travado à espera de autorizações do Estado. Precisamos de uma outorga única.
O novo presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, deu a entender que os juros do crédito agrícola ficarão próximos aos juros de mercado. Como isso afeta os produtores que dependem desse crédito estatal?
Taxas menores facilitam a tomada de crédito para investimentos, ainda mais no agronegócio, que geralmente são de longo prazo. Se vier esse aumento de juros por parte do Estado, que venha pelo menos com mais benefícios para o produtor. É interessante que isso seja feito com ações integradas, como desburocratização e seguros de risco.
Qual o impacto do custo logístico no agronegócio?
Se não fosse esse custo, o agronegócio brasileiro seria mais forte. Por exemplo, a realidade é que a capacidade de produção nacional cresce mais do que a capacidade de exportação. Se continuar assim por mais dez anos, aproximadamente, teremos um ‘apagão logístico’ em algumas regiões do país, como no Arco Norte (região do país composta por Maranhão, Pará, Amazonas, Roraima e Amapá). Essa região tem uma capacidade enorme de produção, mas provavelmente os portos de lá não conseguirão dar conta do escoamento.
Como os desdobramentos da guerra comercial entre China e EUA podem afetar o setor no Brasil?
Teoricamente, nós fomos beneficiados com isso no ano passado, mas atualmente não é algo que podemos contar. Da mesma forma que há essa guerra comercial entre esses países, eles podem voltar a se entender. Vamos aguardar os desdobramentos.