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Como tornar a América pobre novamente

É simples: economia alguma irá bem com um moeda fraca

Nos últimos dias, temos lido diversos artigos sobre um possível acordo entre o governo dos Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais para desvalorizar o dólar americano. Esse suposto pacto foi apelidado de “Acordo de Mar-A-Lago”, uma referência ao Plaza Accord de 1985, que tinha como objetivo desvalorizar o dólar para corrigir desequilíbrios comerciais. Aquele plano fracassou.

O objetivo, segundo a mídia do mercado financeiro, seria enfraquecer o dólar americano, aumentar a competitividade das exportações dos EUA e reequilibrar o comércio global. Outra proposta envolve a reestruturação da dívida dos Estados Unidos por meio da troca de obrigações existentes por títulos de longo prazo, como os títulos do Tesouro de 100 anos, com a intenção de aliviar a pressão fiscal. No entanto, essa seria uma ideia perigosa e potencialmente contraproducente.

O conceito do Acordo de Mar-A-Lago parte de duas premissas equivocadas: a de que as exportações dos Estados Unidos são insuficientes devido a uma moeda forte, e a de que a dívida é elevada por causa da robustez do dólar. Ambas estão simplesmente erradas.

As exportações americanas representam uma parcela relativamente pequena do PIB, cerca de 11%, em comparação com 42% da Alemanha, 29% do Reino Unido ou 21% do Japão, por exemplo. No entanto, os principais motivos para essa participação relativamente baixa das exportações dos EUA nada têm a ver com a força da moeda. Os Estados Unidos constituem um mercado gigantesco, e muitas empresas não precisam exportar para ampliar seus lucros e receitas. Além disso, o país é rico em recursos naturais, o que o torna relativamente autossuficiente, reduzindo a necessidade de importações e, por consequência, o incentivo à exportação. Os Estados Unidos são o maior produtor mundial de petróleo e gás, e o valor estimado de seus recursos naturais gira em torno de 45 trilhões de dólares. Além disso, com uma população de 331 milhões de pessoas em 2023, o consumo interno responde por cerca de 70% do PIB americano.

Os Estados Unidos são um dos maiores mercados do mundo, mas, mais importante do que isso, são o mercado mais rico. O gasto mediano por consumidor individual é muito mais alto do que em países como China ou Índia, e o terço mais rico da população responde por cerca de 56% dos gastos. Com um total de 5 trilhões de dólares em 2024, os EUA possuem o maior mercado varejista do planeta. Além disso, a economia americana é majoritariamente baseada em serviços. Serviços, incluindo os profissionais e empresariais, são mais difíceis de exportar, e o tamanho e a riqueza do mercado interno torna desnecessário vender para o exterior na maioria dos casos.

A indústria manufatureira nos Estados Unidos não é pequena, representa cerca de 10% do PIB, não por causa de uma moeda forte, mas sim devido aos encargos regulatórios impostos ao setor industrial. Além disso, tentar reduzir artificialmente os custos por meio de uma moeda mais fraca é uma fórmula perdedora, já que sempre haverá outro país disposto a desvalorizar sua moeda ainda mais rapidamente.

A indústria americana não pode competir no mercado internacional destruindo o poder de compra do dólar. Isso significaria empobrecer imediatamente a população. A competitividade deve vir de produtos com alto valor agregado, como já demonstram os setores de tecnologia e outros segmentos avançados.

Trocar a dívida de curto prazo por títulos de longo prazo também é uma péssima ideia, pois criaria um incentivo para o governo aumentar os empréstimos, sem resolver o problema estrutural dos gastos públicos. Reestruturar a dívida forçando uma desvalorização artificial do dólar americano também afastaria os investidores de títulos, que com razão temeriam que futuros governos recorressem ao mesmo artifício. Por que alguém compraria um título com vencimento em 100 anos de um país que pode desvalorizar sua moeda regularmente sempre que as dificuldades com a dívida reaparecerem? Essa proposta não serviria para preservar o dólar como moeda de reserva global, mas sim para garantir a perda desse status.

Nenhum dos desafios enfrentados pelos Estados Unidos em relação às exportações ou à dívida pública seria resolvido com a desvalorização do dólar, e um problema crucial ainda se agravaria: a inflação.

Os Estados Unidos já enfrentam uma inflação elevada devido a políticas fiscais e monetárias equivocadas. A inflação acumulada de 24% sofrida pelos americanos nos últimos quatro anos foi consequência direta das medidas intervencionistas sobre a quantidade e o preço do dinheiro, que inflaram os gastos públicos e a dívida, levando a um crescimento recorde da base monetária – algo não visto há décadas – e, com isso, às atuais pressões inflacionárias. Com uma desvalorização, os preços subiriam imediatamente em dólares, e o poder de compra dos salários cairia.

A desvalorização não melhora a produtividade nem agrega valor à indústria, portanto qualquer redução de custos se traduziria em empobrecimento dos trabalhadores e poupadores americanos.

Desvalorizar a moeda é, na prática, um calote e a manifestação da insolvência de uma nação.

Não se pode esperar desvalorizar a moeda ao mesmo tempo em que se controla a inflação e a dívida. A desvalorização faz com que o governo abandone os ajustes necessários aos seus hábitos de gasto, e o problema da sustentabilidade da dívida volta a aparecer em pouco tempo. Os salários reais sofrem, o consumo real enfraquece, toda a economia se empobrece artificialmente em dólares à medida que a inflação sobe, e apenas setores protegidos e o próprio governo se beneficiam – pois conseguem perpetuar suas ineficiências e desequilíbrios em uma moeda cada vez mais sem valor.

Desvalorizar não é uma solução para o endividamento. Pelo contrário, estimula ainda mais empréstimos por parte de um governo já viciado em gastar. Além disso, agrava o efeito de deslocamento do crédito privado – conhecido como efeito crowding out -, já que a dívida do governo substitui o crédito do setor privado, que se torna mais caro com o enfraquecimento da moeda e o aumento da inflação.

Se desvalorizar a moeda realmente fosse uma medida eficaz de competitividade, Argentina e Venezuela seriam as nações mais competitivas do planeta.

A desvalorização apenas transforma em zumbis alguns setores não competitivos e um governo fiscalmente irresponsável à custa de tornar todos os outros mais pobres.

Um dólar americano forte reduz as pressões inflacionárias e mantém as taxas de juros baixas. Ambos os efeitos são positivos para os poupadores, trabalhadores e famílias, à medida que a economia privada se fortalece e os salários reais melhoram. Um dólar forte também é benéfico para o governo e para as empresas. O capital e os investimentos estrangeiros diretos fluem para os Estados Unidos, e os custos de endividamento de empresas e do governo se mantêm baixos graças ao aumento da demanda. As empresas também podem realizar aquisições internacionais a um custo mais baixo, tanto em função de taxas de juros menores quanto pela valorização cambial.

Uma política monetária sólida e uma moeda forte também são essenciais para manter o status do dólar como moeda de reserva global. Se uma pequena parcela dos setores econômicos dos Estados Unidos sofre com um dólar valorizado, esse é um preço que vale a pena pagar em troca de ser a nação mais rica do mundo, com a moeda mais utilizada, uma reserva de valor e um investimento atrativo para o restante do mundo.

O maior erro que o governo Trump pode cometer é adotar políticas de desvalorização do tipo “empobreça o vizinho”, com o objetivo de mascarar um desequilíbrio estrutural do governo.

A desvalorização não é uma ferramenta para fomentar exportações. É um instrumento de favorecimento de grupos privilegiados (cronismo) – e sempre termina com a destruição da moeda como reserva de valor.

Os problemas dos Estados Unidos são complexos e não têm soluções fáceis. O país precisa enfrentar seu excesso de regulamentações e a carga tributária que penaliza a indústria, mas também deve conter os gastos públicos e a política contínua de afrouxamento monetário, que corrói o poder de compra dos salários e faz com que famílias e pequenas empresas sofram.

Se o governo atual realmente está comprometido em defender os empregos americanos, os salários dos trabalhadores e o bem-estar das famílias, um dólar forte é a prova de que está alcançando esses objetivos.

Uma economia forte não precisa de uma moeda fraca.

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Por Daniel Lacalle

Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/l23p1

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